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Por Que o Estado de Vigilância é Perigoso

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Vamos definir o Estado de Vigilância como um estado que almeja vigilância preventiva em massa, todos os dias.

Muitas pessoas não se importam com o Estado de Vigilância. Algumas gostam de ser vigiadas pois isso mostra que alguém está prestando atenção nelas. Outras pensam que nenhuma informação sobre elas pode ser incriminadora. Mark Reid, o gerente da cidade de BluffDale, Utah (EUA), onde um grande centro de dados da NSA (Agência Nacional de Segurança) estava sendo construído, não se preocupou: “Se alguém ler meus emails”, disse ele, “ficarão bem entediados.” James Watson, vencedor do Prêmio Nobel pelo seu trabalho na estrutura do DNA, argumentou que impressões digitais compulsórias de DNA apenas “diminuiriam nossa liberdade de cometer crimes.”

A edição da semana passada de The Economist descreve uma encarnação do Estado de Vigilância. Ocorre na China e, mais particularmente, na província de Xinjiang, lar dos Uighurs, uma minoria étnica que também possui as desvantagens de serem muçulmanos e não especialmente iluminados. A indignidade à qual o estado chinês os submete não é mais iluminada.

Os Uighurs podem ser facilmente controlados pois são rigorosamente vigiados: cartões de identificação atrelados a bancos de dados massivos, vídeo-vigilância constante e pontos de verificação, inspeções domiciliares, uma “estação policial de conveniência” a cada território quadrado de 500 habitantes (na cidade de Hotan), agentes governamentais “adotados” por famílias etc. Essa vigilância permite que autoridades classifiquem indivíduos por seu grau de “confiabilidade”, e mandem para campos de reeducação aqueles considerados não-confiáveis.

“Isso nunca poderia acontecer aqui!”

Todos os países são “democráticos” no sentido de que seus soberanos necessitam de consentimento, ao menos implicitamente, de alguma pluralidade da população. Vigilância também é perigosa em democracias formais. Um dos motivos para isso é que os casos extremos de ontem frequentemente se tornam a prática padrão de hoje.

Quem imaginou que americanos seriam, como meros europeus, revistados em “pontos de verificação”, que muitas buscas seriam rebatizadas “inspeções”, ou que agentes da fronteira teriam o direito de revistar smartphones e outros dispositivos sem mandatos ao grau de 30.000 vezes ao ano (incluindo buscas de dispositivos de cidadãos)? A NSA tem espionado milhões de americanos. Até 2010, de acordo com dados do Wall Street Journal, o FBI possuía mais registros de DNA do que o governo chinês (que começou por último nessa competição), embora a coleta esteja procedendo tão rápido na China que americanos não mais “vencerão” esta corrida; per capita, os dois países estão agora mais ou menos idênticos.

Em Xinjian, o estado opera vigilância em massa para controlar metade da população da província (os Uighurs). Mas vigilância e controle andam de mãos dadas. O controle pode crescer como consequência da vigilância.

Em um artigo acompanhante titulado “O Estado Policial Chinês Possui Ecos no Ocidente?”, The Economist, que não é a revista mais radical do mundo e tem se tornado discutivelmente menos liberal nos últimos anos, admite que muitos de nós em países ocidentais tem motivos para preocupação. (A seção trimestral de tecnologia também foca em vigilância.) A Stasi, antiga polícia leste-alemã, teria invejado a NSA de hoje. Nos nossos países, “forças policiais também podem ter acesso a um nível Stasi de dados”. Mesmo no mundo digital, a revista rebate, precisa haver lugares “onde cidadãos obedientes à lei possam desfrutar de privacidade”.

É verdade que a vida ainda é muito melhor na América do que na China. Isso é presumidamente o que a vasta maioria de nós quer manter.

Não é o que ele sabe, é o que ele pode fazer

O Problema do Estado de Vigilância não é tanto o que ele sabe quanto o que ele pode fazer com o que sabe. O Estado de Vigilância é perigoso não tanto porque viola algum padrão de privacidade, mas porque vigilância incentiva controle. Uma vez estabelecido, um alto nível de vigilância diária, como um custo fixo, implica um menor custo marginal de informação; torna o controle menos custoso e mais tentador para o estado. Por controle de custo, quero dizer os custos políticos e de recursos de impor novas leis e regulações. Quando o custo de algo diminui, seus usuários querem mais dele. Quanto mais o estado sabe, mais controle ele compelirá no futuro.

O que o estado, com seus vastos poderes coercitivos, pode fazer com coleta de informações sugere que um problema sério existe apenas quando o estado o faz, ou quando ele pode tomar informações de bancos de dados de entidades privadas. Informação dada a entidades privadas só é segura até uma ordem judicial ou do governo.

Na medida em que justificações para o estado existem, elas giram principalmente em torno de questões de segurança, que requerem alguma vigilância. Algumas características do mundo de hoje – o retorno de guerras religiosas, o baixo custo de viagem internacional, e muitas outras maneiras pelas quais indivíduos, não todos selvagens à la Rousseau, estão empoderados, como criptografia, redes sociais ou disponibilidade de carros – precisam de mais vigilância do que era necessário na Inglaterra Vitoriana ou Massachusetts na metade do século 19. Mas eu argumentaria que já passamos muito do nível necessário e aceitável de vigilância e que o famoso aviso de Benjamin Franklin se tornou mais relevante:

“Aqueles que conseguem abrir mão de liberdades essenciais para obter um pouco de segurança temporária, merecem nem liberdade nem segurança.”

Claro, é uma questão de trade-offs. O problema é quando o estado faz os trade-offs para todo mundo na concepção sempre em expansão de seus papel.

Para enfatizar meu ponto, “cidadãos obedientes à lei” devem temer um estado de vigilância porque ele torna mais provável que eles se tornarão cidadãos não-obedientes à lei sem qualquer mudança em seu comportamento. Eles serão pegos por violar leis que nem sabiam que existiam. Além disso – e esse é meu argumento principal – o “obediente à lei” será enredado por novas leis adotadas porque soberanos do estado sabem que os custos de impor novas leis não são tão proibitivos quanto costumavam ser. O nível de vigilância multiplicará o número de leis impostas nos previamente obedientes à lei.

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