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Reforma Constitucional em Cuba: Fora da Revolução, Nada.

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Foto por National Geographic La Habana

Após o anúncio da intenção do regime de formalizar constitucionalmente a abertura econômica e social da ilha, embora mantendo a “natureza irrevogável do socialismo” no VII Congresso do Partido Comunista de Cuba, uma nova Constituição cubana está sendo escrita. Desta vez, o regime prometeu uma reforma completa, substituindo as reformas parciais anteriores feitas à atual Constituição cubana da era soviética de 1976, nos anos de 1978, 1992 e 2002. No entanto, há muito poucas razões para acreditar que esta incluirá qualquer uma das mudanças reais que os cubanos desesperadamente necessitam.

O passado 21 de julho foi aprovado pela Assembleia Nacional o projeto preliminar da nova constituição criado pela comissão de reforma do governo, no qual foram incluídos 224 artigos, ante 137 anteriores.

Neste projeto preliminar, o Artigo 21 reconhece pela primeira vez outras formas de propriedade tais como cooperativas, propriedades mistas e propriedade privada, o que constitui uma mudança importante em relação ao documento de 1976, que apenas reconhece a propriedade estatal e a cooperativa agrícola. As expectativas de uma abertura econômica real parecem ainda pouco claras. No início da semana anterior, o governo publicou um conjunto de regulamentações que reforçam o controle sobre os trabalhadores autônomos e aumentam as possíveis multas, incluindo o confisco de propriedades.

O sistema econômico vai manter, como princípios essenciais, a propriedade socialista dos meios fundamentais de produção do Estado e a economia de planejamento central. A reforma enfatiza a empresa estatal como o principal regulador da economia nacional e reconhece sua autonomia como um princípio essencial de operação. Além do reconhecimento do papel do mercado e do investimento estrangeiro como uma necessidade e um importante elemento de desenvolvimento na ilha, na tentativa de atrair divisas estrangeiras para aliviar a endêmica crise econômica que o país atravessa desde a queda do campo socialista e que poderia piorar se a instabilidade aumentar na Venezuela, seu principal financiador.

O sistema político não passará por mudanças essenciais, embora possa ter mudanças na organização institucional, incluindo a criação de um primeiro-ministro para atender ao governo e a limitação de posições políticas e partidárias a dois mandatos consecutivos de 5 anos – já aprovados nos últimos congressos do Partido Comunista. O Artigo 5 da Constituição será mantido, consagrando a liderança do Partido Comunista, e o “caráter irrevogável do socialismo” na sociedade cubana, imposto por Fidel Castro no início deste século para evitar uma transição de dentro do sistema.

Se eliminará também do mesmo Artigo 5 o termo comunismo. Segundo o presidente da Assembleia Nacional Esteban Lazo, apesar de não abandonar a ideologia marxista-leninista, o estado já não buscará criar uma sociedade comunista em Cuba porque a situação atual do país e o contexto internacional são muito diferentes em relação ao ano de 1976 em qual foi escrita a constituição vigente, devido às mudanças que aconteceram no mundo após a queda do muro de Berlim.

Infelizmente, nenhuma mudança é esperada em questões básicas de direitos humanos, liberdade de expressão, liberdade de associação ou liberdade de imprensa, enquanto a repressão de jornalistas independentes, artistas e dissidentes políticos têm aumentado dramaticamente nos últimos meses. Segundo a Comissão Cubana para os Direitos Humanos e Reconciliação Nacional (CCDHRN), se reportaram entre os meses de janeiro e junho deste ano mais de 1438 casos de detenções arbitrárias a cidadãos na ilha.

O regime acrescenta também nesta nova reforma o controle e repressão aos artistas mediante o Decreto Lei 349, o qual regula de forma mais arbitrária quaisquer atividades relacionadas ao arte, mantendo desta forma um maior monopólio da cultura para evitar manifestações artísticas dissidentes, como é o caso da Bienal 00, primeira Bienal de arte independente na ilha que aconteceu em maio deste ano.

Os ativistas dos direitos LGBT estão esperançosos de que haverá uma maior aceitação da diversidade sexual no país por parte do regime. A Constituição incluirá pela primeira vez uma proibição de discriminação contra as pessoas com base na sua identidade de género, pedido antigo do coletivo LGBT refletido na proposta para a nova reforma constitucional junto com a não discriminação com base na etnia e deficiências.

Apesar da aparente rejeição desta parte da reforma constitucional pela cúpula do Partido Comunista , foi aprovada uma mudança na constituição que define ao casamento como a união entre duas pessoas, sem especificar gênero, o qual abre as portas para uma futura legalização do matrimônio entre pessoas da comunidade LGBT.

Tristemente, as mesmas pessoas que junto com os Castro e Che Guevara criaram os campos de concentração cubanos onde enviaram a milhares de homossexuais; religiosos; dissidentes políticos e artistas aos inícios da revolução socialista (os chamados UMAP), são as mesmas que continuam no poder e as que irão decidir sobre o futuro dos direitos das pessoas que um dia reprimiram de forma selvagem por não se ‘encaixarem’ na visão Castrista da revolução.

Nenhuma dessas questões foi tema de debate público enquanto os constituintes estavam trabalhando em seu anteprojeto. Nem sequer foi possível descobrir o que foi discutido a portas fechadas, e os cidadãos, que não fazem parte deste complexo processo de reforma, não serão permitidos de escolher o futuro de seu próprio país, como é costume na ilha há quase 60 anos.

Mais uma vez, reformas cosméticas serão feitas na ilha para tentar limpar a imagem da ditadura totalitária dos Castro diante do mundo, enquanto a União Europeia abre uma janela aos Castros e fica de olho para os próximos passos do país. Ao igual que sempre, acaba sendo conveniente para o regime cubano dar a impressão ao mundo de que está realizando reformas, pois alivia um pouco a pressão que poderia receber de fora em momentos complexos da política internacional.

O regime, subordinando as necessidades do país a uma ideologia e à preservação do poder, optou por uma reforma “dentro da revolução”, possível apenas pela ausência do Estado de Direito, de uma sociedade civil autônoma e de uma imprensa livre, que permite que as autoridades, como poder constituído, prossigam com essa reforma sem pedir um poder constituinte eleito pelo povo.

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