
Nos últimos tempos, têm-se intensificado no Brasil, episódios que evidenciam arbitrariedades e tensionamentos institucionais, os quais colocam em controvérsia a própria vigência de um Estado Democrático de Direito – conforme delineado pela Constituição de 1988 – observa-se uma crescente dissonância entre os preceitos normativos e determinadas práticas concretas. Dentre os pilares que sustentam uma democracia substantiva, a liberdade de expressão ocupa posição central, sendo não apenas um direito fundamental, mas também uma garantia indispensável à circulação de ideias e ao enriquecimento do debate público. A sua violação, representa uma ameaça não apenas a um direito individual, mas à própria integridade do modelo democrático constitucionalmente instituído.
Recentemente, o humorista Léo Lins foi condenado a oito anos e três meses de prisão, em regime fechado por piadas consideradas preconceituosas feitas em um vídeo que foi ao ar no YouTube. Como se não bastasse tamanho absurdo e expressa violação de direitos, o humorista deverá pagar uma multa de 1.170 salários-mínimos de 2022, algo em torno de R$ 1,4 milhão e uma indenização de R$ 303,6 mil por danos morais coletivos. Cabe lembrar que outros episódios graves, como a fraude do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), que teria lesado mais de sessenta mil pessoas com descontos indevidos em seus proventos, foi tratada de maneira simplista, sem o devido esforço para solucionar e resolver este fatídico caso. Entretanto, o cerne da incoerência vem justamente agora: mediante um problema como esse, seria útil condenar um humorista por piadas contadas em um teatro fechado durante um Stand-up? A decisão suscita dúvidas acerca das prioridades do Judiciário e seu comprometimento com os princípios constitucionais que servem de base para a construção de uma sociedade pautada nos valores expressos na Carta Magna – especialmente a liberdade de expressão. Outra incongruência foi a soltura do cantor MC Poze do Rodo, investigado por apologia ao crime e suposto envolvimento com o Comando Vermelho. De um lado, temos o humorista que apesar do tom ácido e cáustico, faz o que é seu atributo profissional, do outro, o cantor que faz exaltação ao crime, coadunando com organizações que implantam verdadeiro terror com aqueles que vivem a fratricida realidade das favelas dominadas pelo tráfico no Rio de Janeiro. O caso também levanta questões jurídicas pertinentes. As piadas que motivaram a condenação ocorreram em 2022, mas a decisão judicial é baseada em uma lei sancionada apenas em janeiro de 2023 – a Lei 14.532 /2023. Isso pode configurar uma violação ao princípio da irretroatividade, previsto na Constituição e no Código Penal. Em uma democracia, a imposição de penas que delimitam direitos em detrimento de manifestações artísticas, como o humor, deve ser analisada com cautela, sob o risco de ferir o princípio da liberdade de expressão. Mesmo durante o regime militar, as restrições legais mais intransigentes estavam focadas em ameaças políticas e sociais, apenas. No entanto, é legítima a discussão sobre os limites do humor, mas deve ter como base a intenção da ofensa real, e não em conteúdos ficcionais ou hipotéticos, como é o caso de espetáculos de stand-up comedy.
Diante de controvérsias como crises institucionais, corrupção generalizada, e um Estado que vem se mostrando inapto para suprir com a necessidade dos cidadãos, o Judiciário parece carecer de uma sóbria capacidade de hermenêutica, pois prioriza condenar um humorista por estar fazendo apenas seu trabalho. Em contraste, ex-governadores condenados a centenas de anos de prisão por corrupção continuam em liberdade, evidenciando a falta de uniformidade na aplicação da Justiça. Isso infelizmente reforça a sensação de descrença nas Instituições. Não, senhores, o Brasil não é uma piada, afinal, aqui isto é crime!

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