No período de 1964 a 1985, o Brasil viveu, conhecidamente, uma ditadura militar, governada por meio de Atos Institucionais (AI). utilizando-se delas foi possível a realização de eleições indiretas para os cargos do executivo federal e estadual, dissolver todos os partidos políticos e implantar o bipartidarismo, o AI nº4 convocava o congresso nacional para a criação de uma nova carta magna para dar validade ao regime militar e incorporar os atos institucionais no ordenamento jurídico. Sendo assim em 1967 foi promulgada a nova constituição, nela se preservou a república, federação e o presidencialismo, porém mantendo o ar de uma aparente normalidade republicana e democrática, o poder estava concentrado no executivo, este possuía o poder de cassação e suspensão dos direitos políticos, entre outros abusos de poder, um ano após a criação da nova carta magna foi decretado o AI-5, nela se ampliou os poderes do Executivo, permitindo a interrupção do Congresso nacional.
1985 marcou o fim do regime militar, o período em que houve os maiores abusos contra a menor minoria da terra, o indivíduo e abriu espaço para a redemocratização do país, Tancredo Neves, eleito presidente, falecendo em seguida, e assumindo seu vice, José Sarney, encarregado de cumprir as promessas de Tancredo, como a criação de uma nova Constituição para acabar com os resquícios da ditadura, neste período, houve uma agitação política intensa. Movimentos políticos de todo o país direcionaram-se até Brasília procurando garantir a sua participação na elaboração da nova Carta Magna.
Esta agitação acabou gerando uma enorme pressão para que a Constituição saísse o mais breve possível do papel, posteriormente os constituintes revelaram que a ambiguidade era usada estrategicamente na redação da Constituição. Isso resultou em 369 dispositivos pendentes de implementação por leis futuras, com cerca de 100 artigos constitucionais ainda aguardando leis complementares para efetiva aplicação.
A pressa também ditou precipitadamente a escolha do nosso sistema de governo. Até os últimos minutos do segundo tempo era certo que seríamos um país parlamentarista, porém de forma abrupta foi escolhido o presidencialismo, resultando em uma aberração de Frankenstein. Sendo assim ocorreu uma fusão bizarra entre presidencialismo e parlamentarismo, com a medida provisória (MP) emergindo como a criatura mais problemática. Seus freios e contrapesos encontrariam um melhor equilíbrio no parlamentarismo, onde o primeiro-ministro, ao lançar uma MP, enfrentaria a dissolução do Congresso em caso de rejeição. Entretanto, isso está ausente no Brasil. Alguns participantes da elaboração da constituição destacam que a criação da medida provisória (MP) foi um erro, originário da expectativa da adoção do sistema parlamentarista. Esse equívoco fortaleceu o executivo de maneira surpreendente, conferindo-lhe poderes excepcionais, dignos de um verdadeiro ditador. Essa dinâmica singular é exclusiva do Brasil e foi vista como um erro.
A MP enfrenta restrições significativas
Na atual situação brasileira, não podendo ser utilizada em diversos casos, principalmente ao que tange os direitos civis, organização dos três poderes e sequestro de bens, é um instrumento que deve ser utilizado apenas em casos de urgência, mas não é o que vemos na prática.
Desde 2001 foram editadas 1009 medidas provisórias, um alerta para o excesso do poder Executivo. É possível ter inúmeros exemplos do seu mau uso, mas a que melhor serve como exemplo é a MP 174/1990 ( antes da emenda constitucional 32 que proíbe o confisco de bens por meio de MP’s), representou ao brasileiro o confisco da poupança. Na figura de Collor e na justificativa de conter a hiperinflação, foram confiscados o equivalente a U$100 bilhões. Isso significava 30% do PIB na época, até os dias atuais existem pessoas que não tiveram seus valores devolvidos. Além desta, outra medida provisória acabou criando o Programa Mais Médicos, que tinha como finalidade financiar um dos países com um dos menores índices de liberdades do mundo. Na ficção temos o filme “Medida Provisória” que tem como plano de fundo uma MP que objetivou a realização de uma reparação histórica, obrigando todos os afrodescendentes a se mudarem forçadamente para o continente africano, exemplificando o quão intrusiva pode ser uma MP.
O país está passando por um momento extremamente tenso e delicado, estamos a passos rápidos de voltar ao autoritarismo. As MPs em conjunto com um judiciário aparelhado com um viés autoritário são um claro sinal de alerta, sem dúvida a democracia brasileira está na UTI e diante de nós existem apenas duas alternativas: reforçar a importância dos direitos e liberdades individuais ou então gradativamente assistirmos a erosão democrática. Espero que você tenha escolhido a primeira opção, pois não quero viver em um mundo onde ter um pensamento crítico e autônomo seja sinal de perigo. Diga não para a idade das trevas!
1- GARSCHAGEN, Bruno. Pare de acreditar no governo: porque os brasileiros não confiam nos políticos e amam o Estado. 14. ed. Rio de Janeiro: Record,2020
2- SENADO FEDERAL. MPs seriam parte de uma constituição parlamentarista. Senado notícias. Disponível em <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2004/10/15/mps-seriam-parte-de-uma-constituicao-parlamentarista>. Acesso em 08 de jul. 2023.
3- CARVALHO, Luiz Maklouf. 1988: segredos da constituinte: os vinte meses que agitaram e mudaram o Brasil. 1. ed.. Rio de Janeiro: Record,2017.
4-BERNARDO, André. Entre infartos, falências e suicídios: os 30 anos do confisco da poupança. UOL Disponível em <https://economia.uol.com.br/noticias/bbc/2020/03/17/entre-infartos-falencias-e-suicidios-os-30-anos-do-confisco-da-poupanca.htm> Acesso em 08 jul. 2023.
5- ROTHBARD, Murray N. Anatomia do Estado-. 2 Ed. São Paulo: LVM Editora, 2018.
6 BITTAR, Paula e BRANDO, Francisco. Governo edita mais medidas provisórias que gestões anteriores, mas menos MPs se convertem em lei. Câmara dos Deputados. Disponível em <https://www.camara.leg.br/noticias/709849-governo-edita-mais-medidas-provisorias-que-gestoes-anteriores-mas-menos-mps-se-convertem-em-lei/ >10 de ago. 2023.
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