Jamais devemos considerar como legítima a autoridade¹ de qualquer pessoa sobre outra, pois, por mais puro e bom que um indivíduo possa parecer, o simples fato de aceitar deter esse poder é um bom indicativo sobre sua índole e motivo suficiente para suspeitarmos de suas reais intenções.
A história da humanidade está repleta de exemplos de homens que mesmo defendendo boas ideias agiram em completa oposição a elas ao possuir o poder da autoridade em suas mãos. Porém, para não me alongar, citarei apenas dois fatos históricos para comprovar minha ideia.
Um dos movimentos que floresceu durante o período helenístico (323 a.C. – 146 a.C.) foi o Estoicismo – escola filosófica que tinha por base uma conduta ética de coragem frente aos perigos e sofrimentos, e uma indiferença às circunstâncias materiais. Os estóicos foram perseguidos durante séculos pelos governantes de suas épocas, devido, principalmente, às sua ideias que desafiavam a legitimidade destes. Eles muito provavelmente foram os primeiros a falar sobre Direito Natural – e esse é um bom indicativo do perigo que simbolizavam para as classes governantes.
Três foram os grandes nomes relevantes dentro da filosofia estóica em que temos fontes históricas confiáveis: Sêneca, Epicteto e Marco Aurélio. Sêneca (4 a.C. – 65), um dos mais conhecidos estóicos, foi exilado em 41 pelo imperador romano Cláudio a pedido de sua esposa. Quando Nero assumiu o poder, sentenciou Sêneca à morte por suicídio, obrigando o filósofo a cortar os próprios pulsos. Epicteto (55 – 135), nascido escravo, foi expulso de Roma em 90 d.C. pelo imperador Domiciano porque criticava o governo e constituía uma força moral contra o trono imperial. Por conta disso teve que viver até sua morte em Nicópolis.
O último dos grandes escritores estóicos foi Marco Aurélio (121 – 180) – este, ao contrário dos dois filósofos anteriores, detinha o poder. Assumiu como Imperador Romano no ano de 161. Mesmo sendo um dos mais famosos escritores desta linha filosófica e tendo por Sêneca e Epicteto grande estima, ficou conhecido por perseguir Cristãos enquanto imperador, pois estes rejeitavam a religião oficial, o que causava grande dissidência interna.
Adicionalmente, apenas para dar mais um exemplo (porém, certamente, inúmeros outros poderiam ser citados também), os cristãos, num primeiro momento perseguidos pelo romanos, ao estabelecerem-se neste trono, iniciaram perseguições a todos que mostravam-se contrários às crenças cristãs. É possível dizer que Graciano (359-383) foi o grande responsável por estas perseguições. Aproveitando-se da união entre império e religião feita por Constantino (272 – 337), Graciano transformou o culto cristão no único admissível do Império, proibindo os demais. Também desterrou acusados de heresia, confiscou as rendas dos senadores pagãos e decretou que todos deveriam professar a fé dos bispos de Roma.
Engana-se quem pensa que esse é um mal do passado. Toda troca de poder autoritário – seja através da revolução, seja através dos meios democráticos – demonstra o mesmo padrão: pessoas supostamente boas e íntegras utilizam-se de discursos bonitos para conquistar o poder e, ao consegui-lo, iniciam seus verdadeiros planos: se manter no poder a todo custo, mesmo que para isso seja necessário perseguir e destruir todos aqueles que aparentam perigo à manutenção de seus tronos. Esses fatos ocorreram na Grécia clássica, no império romano, durante toda Idade Média, nas revoluções socialistas e fascistas e, até mesmo, durante a troca de governantes do nosso período democrático.
A verdade é que não importa o período da história, nem a localização geográfica, muito menos os indivíduos envolvidos ou sequer as ideias que defendem: toda luta pelo poder autoritário, seja democrático ou ditatorial, é uma luta que objetiva conceder a algumas pessoas o direito moral de dominar outras.
Ao invés de ser uma força para o bem, para a ordem e justiça, a autoridade apenas se mostrou como a grande vilã da humanidade, eliminando em maior ou menor grau a liberdade de indivíduos pacíficos e se tornando a responsável pelo assassinato de, literalmente, milhões de pessoas. Esses simples e basilares fatos sobre a natureza do poder e suas consequências catastróficas devem ser suficientes para que todo ser humano minimamente racional e lógico se torne cético quanto ao sistema autoritário em que vive ou, melhor ainda, perca completamente sua fé em qualquer autoridade – como diria Larken Rose, “a mais perigosa e destrutiva superstição que existiu”.
¹Aqui eu defino autoridade da mesma forma que Larken Rose em seu livro “The Most Dangerous Superstition”, ou seja, resumidamente, seria como “O direito de governar. Não é meramente a habilidade de controlar forçosamente outros, que em certa medida quase todos possuem. É o suposto direito moral de controlar os outros através da força” e “autoridade é a permissão para cometer o mal – fazer coisas que seriam reconhecidas como imorais e injustificadas se qualquer outra pessoa fizesse”.
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