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A Opressão dos Movimentos Coletivistas

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O ano de 2020, além de atípico em termos sanitários, políticos e, consequentemente, econômicos, também foi palco para o agigantamento de movimentos coletivistas nas redes sociais. Seja qual for a mídia, certamente alguma hashtag de efeito passou pela sua timeline.

Para citar alguns exemplos, tivemos a “privatização do SUS”, a tese de estupro culposo no caso Mari Ferrer e a onda do Black Lives Matter após diversos protestos que se espalharem pela América.

Antes de adentrar no tópico do presente texto, soa prudente uma breve observação, mesmo sendo óbvia: acontecimentos que violam a integridade de qualquer indivíduo são repugnantes, especialmente se a violação ocorre por meio da força coercitiva estatal.

Feita a justificativa para o tribunal da internet, vamos ao que de fato importa, estabelecendo a seguinte premissa: movimentos coletivistas oprimem.

Ao passo que hashtags midiáticas sobem nas redes sociais, uma falsa sinalização de virtude infla o ego de pessoas pouco (ou nada) comprometidas em analisar os fatos e as consequências de seus desdobramentos.

Em poucos minutos, fomos levados a crer que o SUS seria privatizado. Isso mesmo! O SUS estava correndo um gravíssimo perigo de ser privatizado do dia para noite, via Decreto, que continha a seguinte passagem: “Fica qualificada, no âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República – PPI, a política de fomento ao setor de atenção primária à saúde, para fins de elaboração de estudos de alternativas de parcerias com a iniciativa privada para a construção, a modernização e a operação de Unidades Básicas de Saúde dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”.

Ou seja: o que foi alardeado como privatização, sucateamento da saúde pública, punição à população carente que não poderia mais buscar atendimento médico apenas tratava, na verdade, da criação de um programa destinado a fomentar parcerias para atrair investimentos a fim de construir e revitalizar unidades de saúde abandonadas ou sem estrutura para receber pacientes – o que, por óbvio, beneficiaria justamente e principalmente as pessoas de baixa renda, que no momento sequer podem procurar determinadas unidades de saúde para consultas ou mesmo tratamento médico.

Isso sem mencionar o fato de que não há como privatizar o que quer que seja via Decreto. Quem caiu nesse oba-oba de privatização do SUS somente o fez pois não faz a menor ideia do que é privatização de fato, do que é parceria público-privada e daquilo que dispõe a legislação vigente.

Mas cuidado!

Ler o decreto e chegar em conclusão contrária à verdade absoluta e incontestável de movimentos com reputação ilibada serão capazes de acabar com seu sossego. Fascista, machista, opressor e burguês são alguns dos termos que você será tachado.

O caso Mari Ferrer também adquiriu um contorno bastante peculiar: não só o termo “estupro coletivo” sequer tenha sido utilizado em sentença, advogados e demais operadores do Direito passaram a ser atacados ao darem explicações técnicas sobre o processo.

A própria Gabriela Prioli, advogada criminalista e Mestra em Direito Penal pela USP que nos últimos meses ganhou a simpatia da ala progressista pós-moderna, foi “cancelada” por expor, de forma estritamente técnica, as nuances do caso e ter esclarecido o que foi dito por Thiago Carriço, do Ministério Público de Santa Catarina. O promotor, ao se manifestar, na verdade afirmou que inexiste a figura do estupro culposo na legislação brasileira.  

Após o relato, Gabriela passou a ser atacada por internautas que diziam que ela estava defendendo a absolvição de André Aranha, réu no caso Mari Ferrer. Após as críticas, a jornalista desabafou: “Entre nós – estou realmente triste por dizer isso –, faço críticas contundentes a políticas e políticos há meses e nunca recebi tantas mensagens ofensivas de ódio. Em tese, de quem repudia a violência”.

A frase final de Gabriela resume bem a dissonância cognitiva que parece acometer um número cada vez maior de pessoas e demonstra algo realmente preocupante: uma realidade onde pessoas violentas acreditam (e acreditam mesmo!) que são pacíficas.

Xingam e destroem reputações ao passo que pregam amor e respeito por opiniões contrárias, escancarando a flagrante divergência entre discurso e prática – e, aparentemente, sem enxergarem problema algum nisso. Pelo contrário: creem piamente que, sendo violentas e intolerantes, estão, na verdade, se postando como os arautos do pacifismo e da tolerância (ou talvez imaginem que algumas formas de pensar devem ser “corrigidas” a fim de tornar o mundo um lugar melhor, e por isso tudo o que fazem é em nome do amor e paz entre as pessoas… vai entender essa loucura toda).

Não deixa de ser um fenômeno bizarro, para não dizer assustador. E se a militância não poupa mais nem sequer quem está ao lado deles, o que sobra, então, para quem discorda desse pessoal agressivo de forma mais contundente? Não queremos imaginar…

Para quem já está acometido pela, digamos, Síndrome do Pensamento Único, pouco importa o que de fato está descrito em um Decreto ou sentença. Pouco importam os fatos, a verdade (dirão que esta é sempre relativa) e a realidade fática. Eles só querem (ou melhor, exigem) que você concorde.

Na realidade, que interessa é a manutenção do controle da narrativa e a adesão (voluntária, em princípio, ou compulsória, caso você discorde da cartilha e passe a ser estigmatizado de tudo o que existe de pior até se forçar a concordar com a narrativa dominante do Tribunal da Internet) massiva de indivíduo a pautas escolhidas a dedo por quem, no fim das contas, bem lá no fundo, simplesmente não tolera divergência e outras formas de pensar.

Por meio dessa reprimenda sem fim, a sensação de medo em discordar toma conta e o debate acaba sendo extremamente prejudicado.

As redes sociais tornam-se eco dos ditos “mais civilizados” (título que determinados grupos proclamam a si mesmos com base em absolutamente nada além do próprio pensamento). São aqueles que lutam pela democracia, sabe? Que são contrários a toda e qualquer injustiça, e lutam por uma sociedade mais unida e fraterna.

Incrivelmente, contudo, basta surgir uma única voz dissonante no meio dessa maré progressista que rapidamente uma onda de insultos e inverdades a absorvem. Por meio dessa “onda”, o medo se espalha e contamina a livre troca de ideias e opiniões.

Automaticamente nos tornamos uma sociedade presa em falsas morais ditadas por movimentos que não te deixam discordar. Parece, realmente, que estamos submersos na obra de Orwell: 1984. O Ministério da Verdade é real e está aqui, bem diante de nossos olhos, nas telas de nossos smartphones, computadores e notebooks.

O efeito imediato disso são indivíduos que vem, cada vez mais, sua liberdade de expressão sepultada, seja por medo, seja por censura. Somos forçados, a todo instante, duvidar de nós mesmos, de nossas próprias crenças e valores. Vou ser racista se não compartilhar a foto #blacklivesmatter? Serei contra as mulheres se não me posicionar no caso X, Y e Z?

A resposta é um sonoro NÃO. Compartilhar um stories ou repostar algo nas redes não te faz mais ou menos alguma coisa. Na verdade, utilizando um jargão popular, te faz um Maria-vai-com-as-outras. E, diga-se de passagem, o perfil perfeito para aparelhar movimentos feministas, “democratas”, antifascistas e por aí vai.

Infelizmente, chegamos naquele estágio da civilização (se é que ainda podemos chamar esse mundo virtual bárbaro de civilização) onde é preciso explicar que a grama é verde, o céu é azul e que a verdade existe. Hoje, atingimos o estágio já citado por Ayn Rand, onde indivíduos são julgados não por aquilo que fazem, mas por aquilo que não fazem.

Viver a própria vida, cultivando os próprios valores e costumes, fazendo as boas ações que julga necessárias em prol da comunidade onde vive, não basta mais. Agora, você é constantemente obrigado a se posicionar, ainda que não queira, na internet. E isso, por incrível que pareça, é mais valorizado do que realmente fazer algo bom pelos outros na prática.

Doou dinheiro para uma paróquia que ajuda pessoas em condições de vulnerabilidade social e econômica? Ajudou um animal de rua? Faz trabalho voluntário em um asilo? Problema é seu. Se não postou a hashtag do momento ou não se manifestou sobre o assunto que está sendo discutido no Twitter, seus esforços de nada valem. Você só é uma boa pessoa quando segue a cartilha postando platitudes e clichês determinados e impostos por pessoas que você sequer conhece – mas que, por algum motivo, se julgam aptas a determinar quem é uma pessoa “do bem” e quem é um inimigo que deve ser impedido de se manifestar (ou mesmo ser eliminado).

A razão, tão fundamental para a manutenção de todas as relações sociais e preservação da vida em comunidade, está constantemente sob ataque e, aos poucos, está se esvaindo do debate e de nossas próprias percepções, que agora costumam estar muito mais embasadas em movimentos de manada, emoções, sentimentalismo barato e falsa sinalização de virtudes.

Tempos sombrios, meus caros. Tempos sombrios.

* Artigo escrito em parceria com Ornella Di Lorenzo

 

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