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A “CIÊNCIA” DE BRUTAIS SEMIDEUSES

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Desde a pandemia do Covid-19, a ciência nunca se encontrara antes em tamanha evidência perante a sociedade. Entretanto, seja em jornais convencionais, grandes revistas científicas, ou até nas redes sociais, como relatou Mark Zuckerberg ao denunciar as censuras a pedido do governo Biden durante o evento pandêmico, hoje ditos “negacionistas”, “antidemocráticos” ou “terra-planistas” são denunciados e rechaçados do meio de formação de opinião pública, em nome ironicamente do esclarecimento kantiano. Entretanto, será que ao banirmos quem nega a Ciência do debate científico e público, somos realmente templários do progresso? Ou nos aproximamos mais de Brutos, ao apunhalar nosso César pelas costas? Segundo filósofos, podemos estar mais próximos de Roma do que pensamos…

Karl Popper, em uma de suas grandes obras intitulada “A Lógica da Pesquisa Científica“, afirma que a ciência somente é possível mediante uma concepção falibilista, em outras palavras, quando o ser humano se dá conta de que suas afirmações são falhas e, portanto, abdica da certeza de seu conhecimento em sua busca da verdade. Somente assim, ele se abre ao conhecer do diverso, colocando frequentemente a teste suas hipóteses e possibilitando revoluções científicas! 

Para entender de uma forma mais lúdica a aplicação do falibilismo, advogado pelos popperianos em relação ao conhecimento científico, é imperativo apresentar um experimento mental famoso entre epistemólogos, a saber: a parábola do Cego e do Elefante. 

Nesta parábola, homens cegos que nunca haviam tocado em um elefante o fazem pela primeira vez. Um toca na tromba e afirma que o elefante é igual a uma cobra. Outro na orelha, e advoga que o elefante mais se parece com um leque. Já o terceiro, ao tocar na barriga, pleiteia ser o animal mais parecido com um muro do que qualquer outra coisa, e assim por diante…  

Nenhum dos cegos conseguiu sentir suficientemente o quadrúpede para conhecer sua real natureza. Entretanto, todos pronunciam suas visões, as defendem e a colocam à prova dos demais cegos. E isso é falibilismo para Popper, em outras palavras, defender nossas hipóteses científicas com afinco, mas saber que somos cegos perante a verdade de nosso conhecimento, assim estando aberto a ser refutado por outro cego que pensa diferente de nós. 

Outrossim, se o cientista não compreendesse o falibilismo do conhecimento, para Popper ele acabaria por fabricar premissas ad hoc, ou seja, manipular os dados ao seu redor para sempre confirmarem o que ele acredita ser o verdadeiro. Desta forma, o dito cientista não faria ciência, ao não expor suas hipóteses ao crivo cruel da realidade objetiva, mas o médico, o físico, o jurista ou o cientista político se constituiria em semideus, sem perspectiva de erro, ao contrário dos mortais “negacionistas”, que ousam negar o que para ele é nítido! Aqui não há espaço para ciência, esclarecimento, quiçá para democracia, mas para censura, emburrecimento e estagnação epistêmica.

De mais a mais, a incerteza de Popper é complementada por Roger Bacon. O filósofo ressalta a prática e a moral como as causas mais frequentes dos erros científicos. A exemplo, ao cientista recorrer à autoridade ou a opinião da maioria, ao invés de se ater aos argumentos e as provas dos paradigmas científicos em voga; ele peca perante a prudência necessária a ciência para atingir seu objetivo, a saber: a verdade. Outro comportamento que Roger classificaria como prejudicial à ciência seria quando retiramos algum pesquisador do debate por mero preconceito de raça ou crença, faltando ao ser humano a virtude da humildade com o ocultamento da própria ignorância. 

Tais atitudes antiéticas – que acabam por delapidar a liberdade de expressão – podem gerar um estrago maior ao debate científico do que um descalibre em um experimento, visto que um erro experimental é corrigível, ao passo que um ponto de vista nunca será conhecido se silenciado. Essa incorrigibilidade da censura no meio científico se dá pois é falsa a crença de que a verdade sempre impera sobre a perseguição, como afirma o liberal John Stuart Mill, em seu livro “Sobre a Liberdade”, já que há diversos exemplos na história em que a verdade advinda da liberdade de expressão foi definitivamente suprimida ou, se não foi totalmente extinta, gerou um retrocesso de séculos, como nas inúmeras tentativas fracassadas de reformas protestantes antes de Lutero ou a própria perseguição ao Cristianismo feita pelo Império Romano.

Assim, ao denominarmos o diferente preconceituosamente de “negacionista” e excluí-lo previamente do debate, pois a maioria dos cientistas ou a própria Ciência diz algo como certo, é uma atitude equivocada do próprio ponto de vista científico, visto que destrói o aprimoramento da ciência, que deveria se guiar pela busca da verdade do que nos circunda e não pela satisfação de falhas éticas e hipóteses inquestionáveis.  Com isso, tanto Popper quanto Bacon e Mill concordam que jamais, “em nome da ciência”, alguém deveria ser “cancelado” do debate! Este é o fim do que chamamos de liberdade de expressão e consequentemente de ciência!

Portanto, a ciência, ao contrário do que os verdadeiros negacionistas acreditam, não se constrói por preconceitos prévios, crenças frívolas e privação de diálogo com o diferente. Ciência, seja humana, natural ou matemática, se faz por abertura; compreensão; humildade, método, busca da falibilidade própria do homem; em suma, por liberdade de expressão, princípios éticos e constante incerteza. Em contraste, só uma coisa é certa no mundo autointitulado “científico” que vivemos hoje: qualquer filósofo liberal e falibilista, atônito diante de tantos “negaciofóbicos” possuidores de certezas científicas, cita diariamente o “Poema em Linha Reta” de Fernando Pessoa: “Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo? Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?”.

Fontes:

GESTÃO Biden pressionou por censura de conteúdo, diz Zuckerberg: Em carta, o CEO da empresa diz que a Casa Branca queria derrubar, em 2021, posts sobre a covid-19. Poder 360, 2024. Disponível em: https://www.poder360.com.br/poder-tech/gestao-biden-pressionou-por-censura-de-conteudo-diz-zuckerberg/. Acesso em: 9 set. 2024.

POPPER, Karl Raimund. A Lógica da Pesquisa Científica. 2. ed. São Paulo: Cultrix, 2005.

Teoria do conhecimento e epistemologia. In: ZILLES, Urbano. Teoria do Conhecimento e Teoria da Ciência. Porto Alegre: Paulus Editora, 2005. cap. 2, p. 33-45.

MILL, John Stuart. Sobre A Liberdade. São Paulo: MIDIAfashon, 2022.

HETHERINGTON, Stephen. What is epistemology?. Cambridge: Polity Press, 2019.

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Alicia Xavier

Com 23 anos, Alícia Coelho Xavier já é bacharel laureada em Filosofia pela PUCRS. Atualmente, cursa bacharelado em Ciências Jurídicas e Sociais na UFRGS e é coordenadora Atlantos, na diretoria de eventos e formação. Teve contato com as ideias liberais desde muito jovem, já que a família é constituída por membros honorários do IEE.

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