
A repercussão das falas da primeira-dama Janja da Silva durante sua visita à China reacendeu debates sobre o papel simbólico que figuras públicas exercem, mesmo quando não ocupam cargos formais de Estado. Embora não detenha mandato político, Janja possui relevante presença institucional, influência midiática e capacidade de moldar percepções — especialmente quando atua em contextos diplomáticos.
Nesse sentido, suas declarações não podem ser desconsideradas ou vistas apenas como elementos protocolares. Toda fala, especialmente em ambientes internacionais, carrega sinais — e quando proferida por alguém com forte ligação ao poder executivo, esses sinais ganham maior peso.
Durante sua passagem pela China, Janja fez referências elogiosas ao país anfitrião, inclusive destacando aspectos da sua organização social. Em uma de suas declarações, afirmou: “A China nos mostra que é possível manter a estabilidade social com um planejamento estatal forte e responsabilidade coletiva. Há lições importantes ali para todos nós.” Embora se compreenda o contexto da diplomacia e a intenção de preservar boas relações bilaterais, é importante refletir sobre os limites entre cordialidade institucional e sinalizações ideológicas que possam ser mal interpretadas.
O sistema político chinês tem características muito distintas das democracias liberais ocidentais. Sua centralização de poder e os mecanismos de controle social — sobretudo no ambiente digital — geram preocupações legítimas no que se refere à liberdade de expressão e à transparência institucional. No entanto, isso não significa que o diálogo ou a cooperação com a China devam ser descartados. Pelo contrário: em um mundo globalizado, relações estratégicas e econômicas são fundamentais, desde que acompanhadas de critérios claros e princípios sólidos.
A crítica aqui não está na aproximação com a China, mas na ausência de um posicionamento que reforce, de forma inequívoca, o compromisso do Brasil com os valores democráticos — especialmente no que se refere à liberdade de imprensa, pluralidade de ideias e direitos civis. É natural que na arena internacional diferentes modelos de governança coexistam. Porém, quando representantes simbólicos do Brasil elogiam certos aspectos desses modelos, é essencial que deixem claro que não há endosso a práticas que possam violar direitos fundamentais.
Do ponto de vista liberal, diplomacia responsável combina pragmatismo e princípios. É possível estreitar laços com potências globais mantendo firmeza na defesa de valores universais como a dignidade da pessoa humana, a autonomia individual e o livre fluxo de informação. Essa postura não implica antagonismo, mas sim coerência institucional.
O Brasil vive um momento em que a confiança nas instituições precisa ser fortalecida, e isso se faz também por meio da clareza no discurso público. É legítimo que figuras como Janja participem de agendas internacionais, mas é igualmente legítimo — e necessário — que sejam avaliadas publicamente quando suas palavras tocam em temas sensíveis, como liberdade e governança.
A democracia se cultiva não apenas nas leis, mas nos exemplos e nos gestos simbólicos. E toda figura pública — especialmente aquelas próximas ao centro do poder — deve exercer sua influência com consciência do impacto que suas falas podem gerar. Cooperação com países como a China deve ser incentivada, mas sempre com os olhos abertos para os valores que, internamente, o Brasil não pode abrir mão de defender.

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