
No dia 8 de maio, foi comemorado o encerramento da frente de batalha da Europa durante a Segunda Guerra Mundial, marcado pela barbárie do Holocausto e pela “Solução Final” da Alemanha nazista. Nunca, na história, um conflito havia definido tão claramente o embate entre tirania e liberdade, crueldade e humanidade, ainda que, em uma guerra tão brutal, seja difícil distinguir fronteiras absolutas.
Neste contexto, o Partido Nazista promoveu a ideia de que os judeus eram uma “raça inferior” e uma ameaça à pureza da “raça ariana”. Essa visão pseudocientífica foi usada para justificar as políticas de exclusão e extermínio, sendo os judeus sistematicamente desumanizados e tratados como objetos ou seres inferiores, desprovidos de humanidade.
Essa efeméride faz refletir sobre os sacrifícios daquela geração e como o mundo contemporâneo se formou. Enquanto, há 80 anos, a humanidade lutava contra a escravidão e reconhecimento de direitos humanos universais, hoje enfrentamos outra crise existencial: a febre dos bebês reborn.
O que começou como uma brincadeira hiper-realista, ou até como suporte emocional, transformou-se em debate sobre saúde mental. O mundo pós guerra avançou na medicina, no saneamento básico, na segurança alimentar e em tantos outros campos; porém, apesar dessas conquistas, chegamos a uma crise de sentido do que é o ser humano. Não se trata apenas de apego a um boneco de silicone, mas de uma futilidade que revela certo descaso com a própria vida.
Nas diferentes eras da civilização, a família e a educação sempre foram núcleos sagrados do desenvolvimento social e da perpetuação da espécie. Ver adultos realizando “partos”, rituais de cegonha e até atendimentos médicos para bonecos é, sob esse ponto de vista, uma afronta à própria essência humana e ao sentido da vida. No passado a desumanização foi usada para justificar horrores e, atualmente, a sociedade naturaliza uma lógica semelhante, que esvazia a figura humana de seu valor real e transfere afeto, cuidado e simbolismo para aquilo que é artificial.
A esse fenômeno, soma-se ao que se pode chamar de niilismo existencial camuflado pela retórica da política identitária. O identitarismo, em princípio, reivindica reconhecimento de minorias pela raça, gênero, orientação sexual, classe social, religião ou nacionalidade. Mas, ao invés de buscar direitos individuais objetivos, desembocam na ideia de que tudo é fruto de uma construção subjetiva, sem propósito ou fundamento lógico.
Nesse cenário, até mesmo a experiência mais básica da humanidade, como o nascimento de uma criança, pode ser reconfigurada numa simulação afetiva sem referência ao real. É nesse vácuo de sentido, em que a materialidade substitui o vínculo e a estética toma o lugar da verdade, o bebê reborn se torna sintoma, não de afeto, mas de uma crise mais profunda: a perda do eixo antropológico da nossa civilização.
Não se está apenas desconstruindo normas sociais; está se questionando a própria natureza humana, como se estivéssemos voltando ao tempos pré socráticos, mas sem mestres autênticos para formular teses, apenas vozes dissonantes que erodem fundamentos sem oferecer alternativas consistentes. A busca pela liberdade e pela satisfação de desejos sempre fez parte da adaptabilidade e da transmissão de conquistas às gerações seguintes. Reconhecer os ônus e responsabilidades, a falibilidade, a finitude e o dever de propagação da espécie, é tão imprescindível quanto a busca pela felicidade.
Comparar um ser humano a um boneco jamais será razoável. Levar a termo uma disputa judicial pela guarda de um reborn escarnece as mais de quatro mil crianças que, em 2023, aguardavam adoção, segundo o CNJ, e desrespeita as pessoas que esperam pelo SUS, em média 57 dias para uma consulta e 634 dias para uma cirurgia. Agora, a Câmara dos Deputados analisa projeto que proíbe levar bebês reborn a atendimentos médicos: o mínimo de bom senso tornou-se obrigação legislativa.
A Segunda Guerra nos lembra as seis milhões de vidas arrancadas em campos de concentração, numeradas e levadas ao abate como gado, fruto da mais pura desumanidade. No entanto, ainda não aprendemos a valorizar a vida como ela é. Cultuamos percepções desconectadas da realidade, em que pedaços de plástico valem mais do que a coragem de gerar vida e propósito. Resta-nos a esperança de que no futuro, as próximas gerações corrijam os erros dos antepassados e de nosso tempo.

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