Em nossa era de formas cintilantes e luzes implacáveis, a beleza tornou-se a projeção suprema de um ideal de perfeição etérea, mas muitas vezes ilusória. Como que a evocar o conceito aristotélico de eudaimonia — o florescimento humano e o bem supremo, que é a felicidade plena —, a beleza nos modernos tempos toma para si o lugar de uma felicidade eterna e irrevogável, uma promessa de completude que, embora fugidia, rege corações e impulsiona existências. A busca incessante por esse ideal de beleza é a nossa nova empreitada teleológica, um caminho árduo de escultura externa, como se a perfeição das formas pudesse suprir a incompletude do espírito.
Aristóteles, em sua profundidade analítica e intransigente, argumentava que a felicidade reside na expressão do que há de mais autêntico no ser, uma harmonia inata entre a razão e a virtude que, ao longo da vida, nos guia à nossa versão mais elevada e nobre. Porém, na sociedade contemporânea, essa busca pela felicidade parece ter sido deslocada para o domínio do visível, reduzida a uma estética a ser admirada e consumida. O que antes era um caminho interior, uma jornada pelo autoconhecimento e pelo cultivo da alma, converteu-se em uma incessante procura pelo reflexo perfeito, um espelho de aparências que dita a medida do valor individual. A beleza, então, não é mais um traço; é uma exigência e, mais do que isso, tornou-se uma esperança quimérica, a felicidade convertida em uma imagem ideal.
A beleza social que perseguimos como símbolo de completude repousa sobre uma fachada de efemeridade, nela há uma expectativa de eternidade em meio à transitoriedade, um paradoxo que nos aprisiona em uma roda-viva de insatisfação. Assim como Aristóteles nos lembra de que a eudaimonia não é um bem momentâneo, mas o produto de uma vida virtuosa, a sociedade sugere, erroneamente, que a beleza pode preencher esse vazio. Porém, ao contrário da eudaimonia, que se cultiva com paciência e reflexão, a beleza moderna exige uma busca apressada e nervosa, uma corrida contra o tempo e contra a própria essência. Nisso, ao tentar capturar o inefável, distanciamo-nos do que é verdadeiro, e assim a nossa própria felicidade escapa por entre os dedos.
Há uma melancolia intrínseca nessa busca, pois, no âmago de cada desejo de embelezamento e de cada tentativa de adequação ao ideal social, encontra-se a desesperança de um vazio existencial. Tal qual Ícaro atraído pelo brilho do sol, buscamos uma perfeição que, ao ser alcançada, revela-se insatisfatória, demandando, então, um novo nível de ideal inatingível. Deste modo, Aristóteles, em sua compreensão penetrante da condição humana, sabia que a felicidade verdadeira repousa na harmonia entre o que desejamos ser e o que somos capazes de ser. Entretanto, no culto contemporâneo à beleza, a harmonia é substituída pela constante insatisfação, pois a imagem almejada jamais reflete a inteireza de um ser em plenitude.
Sendo assim, a busca pela beleza tornou-se, então, uma prisão dourada, um altar onde sacrificamos a autenticidade em prol de uma perfeição externa, que não é mais que uma máscara. Tendo em vista que Aristóteles discerniu que a eudaimonia exige virtude e equilíbrio, o ideal de beleza social exige renúncia de nossa essência, desapego de nossa individualidade. É uma ironia amarga, pois, ao aspirar a ser desejado, tornamo-nos vazios; ao lutar por aprovação, nos tornamos reféns de um padrão que nega nossa complexidade e profundidade.
Por fim, a sociedade atual transformou a felicidade em algo visível e aparente, uma felicidade escultural, mas oca. Como Aristóteles afirmava que o verdadeiro propósito da vida é o cultivo da alma e do intelecto, somos compelidos a reconhecer que o verdadeiro significado da felicidade transcende o que é visível. Portanto, a beleza alcançável e imperfeita que realmente encanta reside na autenticidade e na vulnerabilidade, enquanto a beleza social inatingível, elevada ao status de felicidade, permanece distante, intocável, um monumento ao efêmero.
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