Imagine uma situação onde botemos uma pessoa para controlar uma grande quantia de dinheiro. Essa pessoa, em última instância, detém o poder de decidir para quem esse dinheiro será enviado, e quanto o beneficiado precisará pagar para pegar esse dinheiro emprestado. O arranjo, por si só, já parece perigoso, mas elaboremos um pouco mais.
Agora, imagine que existam dois mecanismos diferentes por meio dos quais a pessoa que controla o dinheiro é influenciada. O primeiro, chamemos de P, é um conjunto de cofres (P1, P2, P3, …) em que cada uma das pessoas responsáveis por cada um dos cofres receberá uma porcentagem do dinheiro que entra no cofre; ou seja, quanto mais ela aumentar o montante, mais ela ganha. Esses cofres contém o dinheiro de milhares de pessoas que estão diretamente e constantemente interessadas na quantia de cada um dos cofres. Elas decidiram botar seu dinheiro ali voluntariamente e querem ser recompensadas por isso; se, por exemplo, o cofre P1 estiver desagradando as pessoas que guardaram seu dinheiro ali, as pessoas podem retirar seu dinheiro e colocar em outro cofre do conjunto P.
O segundo é um mecanismo chamado B, que é mais complexo. Ele funciona da seguinte forma: B pega dinheiro de um outro cofre, chamado G, que por sua vez pega dinheiro de milhões de pessoas, mesmo que elas não queiram. Por esse “favor”, B paga uma quantia S ao cofre G. Esse dinheiro, agora no controle de B, é emprestado para um pequeno grupo de pessoas com muito poder – essas pessoas, em contrapartida, pagam uma quantia T para B, e essa quantia T é menor que a quantia S (que B paga para G). De uma forma ou de outra, B não perde dinheiro no final das contas, pois ele recebe outras quantias de outras pessoas.
Você já deve ter visto que há um problema nesse esquema B. No entanto, ele não para por aí. Quem controla o cofre G escolhe a pessoa que vai controlar o cofre B. Além disso, as pessoas que recebem dinheiro de B têm muito poder para pressionar B; enquanto as pessoas que são obrigadas, por meio de G, a entregar seu dinheiro para B têm pouco poder. Por fim, observe que quem controla B não precisa agradar as pessoas que põem dinheiro lá (inclusive porque elas são obrigadas a fazer isso), mas precisa agradar esse pequeno grupo de pessoas poderosas que recebe dinheiro de B. Já está na cara que existe um enorme conflito de interesses e jogos de poder aqui.
Antes de mais nada, duas perguntas:
- Se colocássemos uma pessoa extremamente honesta para controlar B, você acharia que esse sistema iria de alguma forma funcionar?
- Mesmo que pudesse funcionar, você acreditaria que esse sistema é o melhor sistema que existe?
O segundo sistema é chamado BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Para começar, sua capacidade de gerar desenvolvimento é altamente duvidosa, seu caráter nacional é questionável, devido ao financiamento de obras no exterior, e o seu caráter social é uma mentira.
A quantia S que o BNDES paga ao governo para ter dinheiro do Tesouro Nacional é a SELIC, a quantia T que os grandes empresários pagam ao BNDES se chama TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo). Nos últimos 3 anos a TJLP foi 5% menor que a SELIC – ou seja, tem-se juros subsidiados.
O BNDES não tinha, e continua não tendo, um problema de gestão. Ele é um poço de poder desenhado exatamente para fins escusos. Quem controla o BNDES pode conceder prêmios à vontade – prêmios esses que, mesmo que legalmente, constituem uma compra de apoio implícito para futuras eleições. Mesmo que você coloque um anjo para gerir esse cofre, o resultado não será positivo – na melhor das hipóteses ele será amenizado. “O poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente”, bem postulou Lord Acton.
Suponhamos o gestor seja alguém bem intencionado, não corruptível. Mesmo que não haja uma negociata para conceder empréstimos, mesmo que não haja uma troca de favores e a concessão de empréstimos seja feita por critérios objetivos, ainda se tem um grande problema de distorção de preços, como juros subsidiados saindo dos cofres a granel. Alguns argumentam que apesar dos juros subsidiados o banco tem outros investimentos que compensam esse déficit, e ele garante uma oferta de crédito no país. No entanto, sempre se ignora o fato do custo de oportunidade. Esse dinheiro, em primeiro lugar, não seria mais produtivo ficando nas mãos dos pagadores de impostos? O setor privado obviamente teria a capacidade de oferecer esse crédito se o governo não utilizasse 82% do crédito nacional. Mais que um problema de investimentos e distorção de preços, o BNDES é concentrador de renda, um organismo que tem um componente inflacionário e gerador de ciclos econômicos.
Mas a hipótese de que não teremos um jogo de poderes é ingênua. Bastou algumas semanas para que o novo presidente do banco, Paulo Rabello de Castro, alguém que tentou destruir o “mito do governo grátis”, abrisse as torneiras de crédito e passasse acreditar que “subsídios, na realidade, não são subsídios”. Mesmo que não seja algo ilegal, ou um ato corrupto per se, fica claro o caráter de alto conflito de interesses que ocorre no banco, e que facilmente pode transformar qualquer bem intencionado em mais um agente do esquema.
Por fim, é bom frisar o seguinte: instituições boas não são as que funcionam graças a um bom gestor; instituições sólidas são aquelas à prova de idiotas e mal-intencionados. Não podemos ficar dependendo de anjos para salvar a nação. Como bem resumiu Thomas Paine: “quando fazemos planos para o futuro, convém lembrar que as virtudes não são hereditárias”. O plano para o futuro, e para o presente se possível, definitivamente deveria ser o fim do BNDES.
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