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O BRICS e a traição dos princípios liberais

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O Brasil tem flertado com um perigoso alinhamento geopolítico. O BRICS, bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul — agora expandido com a entrada de países como Irã e Etiópia — nasceu com a proposta promissora de fomentar cooperação entre economias emergentes e buscar maior equilíbrio no sistema internacional, tradicionalmente dominado por potências ocidentais. A intenção era legítima: fortalecer o Sul Global, diversificar alianças e ampliar o poder de barganha em fóruns multilaterais.

Contudo, nos últimos anos, o BRICS tem assumido contornos cada vez mais autoritários e ideológicos. O bloco, outrora plural, começa a se inclinar na direção de um eixo revisionista, próximo a regimes que abertamente suprimem liberdades civis, censuram a imprensa, perseguem opositores e operam com lógicas de Estado policial e monopólio da verdade — como China, Rússia e Irã. A entrada desses países no núcleo decisório do grupo não é um gesto isolado: é sinal de uma mudança estrutural na natureza do BRICS.

A permanência do Brasil nesse novo arranjo, sem críticas, reservas ou modulação diplomática, representa um erro estratégico de proporções graves. Em um momento no qual o mundo se polariza entre democracias liberais e regimes fechados, o Brasil hesita. Não assume uma postura clara. E, ao fazê-lo, envia sinais ambíguos ao mercado internacional, a seus aliados históricos e à própria população.

O resultado é duplo: de um lado, fragilizamos nossas relações com parceiros fundamentais como Estados Unidos, União Europeia e Japão, que cada vez mais privilegiam acordos bilaterais e multilaterais entre democracias. De outro, nos tornamos espectadores passivos em um bloco que cada vez mais serve aos interesses estratégicos de autocracias com agendas expansionistas e incompatíveis com os valores constitucionais brasileiros.

Sob uma perspectiva liberal, essa postura é injustificável. A política externa deve ser pautada naturalmente por interesses, mas por valores também — e não há interesse que justifique a omissão diante de violações massivas de direitos humanos, censura institucionalizada ou repressão política sistemática. O Brasil, como democracia constitucional, tem o dever de se posicionar com clareza: não pode ser cúmplice, ainda que silencioso, de regimes que negam os princípios mais elementares do Estado de Direito.

Além disso, a retórica do “multipolarismo” promovido pelo BRICS, quando descolada de compromissos democráticos, corre o risco de se tornar mero pretexto para relativizar liberdades, justificar alianças espúrias e enfraquecer normas internacionais que protegem indivíduos contra abusos de seus próprios governos. Multipolaridade sem liberdade é apenas autoritarismo com sotaques variados.

No plano econômico, a associação com economias fechadas, centralizadas e avessas à competição também prejudica o Brasil. O capital global — especialmente o produtivo e inovador — busca estabilidade institucional, segurança jurídica, previsibilidade regulatória e respeito à livre iniciativa. Ao nos associarmos com países que desvalorizam esses pilares, afugentamos investimentos, comprometemos nossa reputação e prejudicamos nossa integração em cadeias globais de valor.

O Brasil deveria ser, no BRICS, uma voz ativa pela liberdade econômica, pela transparência institucional e pela pluralidade política. Deveria denunciar com firmeza a repressão e a censura, e promover uma diplomacia baseada em comércio aberto, Estado de Direito e desenvolvimento sustentável. Em vez disso, assume uma postura de neutralidade conivente — que, na prática, se transforma em cooperação tácita com regimes antidemocráticos.

A soberania que tanto se invoca só é legítima quando ancorada em princípios. E nenhum princípio é mais vital para a ordem liberal do que a liberdade. O Brasil precisa decidir: quer ser protagonista de um mundo livre e democrático, ou coadjuvante num teatro autoritário de alianças convenientes e silêncio estratégico?

Se pretende manter alguma coerência entre sua Constituição interna e sua atuação externa, o país precisa se reposicionar  com firmeza, clareza e coragem.

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Juliana Antonelli

É uma defensora da liberdade e acredita que este é o único caminho para a construção de uma sociedade verdadeiramente livre e próspera. Atualmente e formada em Direito. Nas horas vagas, adora debater política, conhecer novos lugares, livros e escrita.

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