
Nos últimos dias, o mundo assistiu às imagens do Parlamento do Nepal em chamas. O episódio, que poderia parecer um acidente isolado, assume contornos simbólicos: a casa destinada ao debate democrático foi consumida pelo fogo da insatisfação popular. Trata-se de um sintoma do que Alexis de Tocqueville já advertia em A Democracia na América: quando as instituições deixam de cumprir seu papel fundamental, o de proteger a liberdade, inevitavelmente abrem espaço para convulsões sociais.
As manifestações no Nepal emergiram da perigosa combinação entre corrupção sistêmica e tentativas de censura estatal sob a justificativa de combater a “desinformação”. John Locke, em seu Segundo Tratado sobre o Governo Civil, lembrava que governos existem para proteger a vida, a liberdade e a propriedade, e não para restringir a circulação de ideias. A história mostra que regimes de diferentes matizes ideológicos já instrumentalizam o discurso contra “notícias falsas” para justificar a supressão da dissidência.
O protagonismo da juventude, em especial da chamada “Geração Z”, é outro aspecto notável. Crescida em um ambiente de hiperconectividade, essa geração percebe que limitar a internet não é apenas cercear opiniões divergentes, mas sufocar o próprio espaço vital da vida contemporânea. Para os jovens, a censura digital não afeta apenas um meio de comunicação, mas todo um campo de existência social, cultural e política.
A resposta foi explosiva: a renúncia do primeiro-ministro K.P. Sharma Oli e a queda de ministros revelam que a sociedade civil nepalesa, longe de resignar-se, decidiu agir. Os críticos podem argumentar que a violência compromete a legitimidade do movimento. Contudo, como lembrava Montesquieu em O Espírito das Leis, a verdadeira tirania não se manifesta apenas pela força bruta, mas também pela usurpação sorrateira da liberdade sob o manto da legalidade. O que será que a sociedade brasileira pode aprender com esses atos de coragem?
A censura e a corrupção, nesse sentido, constituem violências institucionais que não podem ser romantizadas como “ordem” A lição do Nepal ecoa no presente e no passado. Friedrich Hayek advertia que sociedades que permitem a expansão contínua do controle estatal sobre a vida cotidiana caminham para a servidão. Ao invés de ceticismo apático, converteu a desconfiança em energia transformadora, afirmando que a liberdade, ainda que atacada, sempre encontrará defensores.
O desafio, agora, é transformar a chama da revolta em projeto construtivo: edificar instituições mais transparentes, responsáveis e comprometidas com a liberdade individual. Se o fogo que consumiu o Parlamento representou destruição, que também seja metáfora de renovação: a reconstrução de um Nepal em que a censura não encontre espaço e em que a política volte a ser expressão do povo, e não de sua negação.
O episódio, portanto, não deve ser visto como um acidente regional, mas como parte de uma narrativa universal da luta pela liberdade, a mesma que inspirou Locke contra o absolutismo, Tocqueville contra a tirania da maioria, Mill contra o conformismo social e Hayek contra o intervencionismo. O que vimos no Nepal é a reafirmação contemporânea dessa tradição liberal: a certeza de que a liberdade pode ser atacada, mas jamais silenciada.

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