
Em 1998, era lançada a série “Sex and the City” pela HBO. Na época, houve uma enorme repercussão sobre o que a série estava retratando. Quatro mulheres de Nova York falando abertamente sobre seus relacionamentos, experiências sexuais e questões cotidianas de uma forma nunca antes vista na televisão. Tendo a consolidação da mulher como uma agente protagonista na sociedade, e não mais como um espetáculo midiático de piadas ou de donas de casa ocupadas com os seus afazeres domésticos.
Contudo, 27 anos depois, em 2025, a série “Adolescência”, da Netflix, retratou a história do adolescente Jamie Miller, de 13 anos, que mata a sua colega de escola, e os pais, incrédulos, não sabem como lidar com uma situação que até então poderia ter sido evitada. A série, de forma inédita, aborda não apenas o quão difícil é a relação entre pais e filhos na adolescência, como também a crise da masculinidade e a problemática envolvendo a exposição de adolescentes e jovens a grupos declaradamente machistas na internet, sem que haja o mínimo de diálogo.
Nesse contexto, em meio a um mundo em rápidas transformações sociais, muitos agora se perguntam: “O que é ser homem?” Seria uma construção social? Um determinismo biológico? Ou a combinação de ambos? Questionamentos que até então não estavam em pauta, pois eram estigmatizados pelas mídias e considerados tabus em debates públicos mais amplos. Hoje, contudo, ganham espaço nas conversas familiares, nos espaços acadêmicos e nas redes sociais, revelando uma necessidade urgente de revisitar o papel masculino.
Fato é: A humanidade é composta ainda hoje por inúmeras culturas. Cada uma das quais apresenta interpretações diferentes sobre o que é ser homem e qual o seu papel na sociedade conforme a sua genitália. Ao longo da história, era esperado que o homem seguisse padrões específicos de masculinidade conforme aquilo que fosse o esperado. Esses padrões variaram conforme o tempo e a cultura, e até pouco tempo atrás, não havia uma diferenciação clara entre identidade de gênero e sexo biológico. Ambos estavam interconectados.
Foi apenas com o advento dos movimentos feministas e LGBTQ+ a partir dos anos 60 que houve uma completa ruptura no que se refere ao entendimento sobre os papéis de gênero. Com a inserção feminina no mercado de trabalho e a popularização da pílula anticoncepcional, a mulher passou a ter não apenas a sua autonomia financeira, como também a autonomia de seu corpo. Somado a isso, com a Revolta de Stonewall em 1969, que deu origem ao atual movimento LGBTQ+, tornou-se comum ver homens abertamente homossexuais reivindicando seus direitos civis e rompendo com a heteronormatividade imposta pela sociedade.
Dessa forma, em pouco tempo, o conceito de masculinidade foi virado ao avesso. Muitos homens culparam os movimentos feministas, outros apelaram a grupos e fóruns online como Incels, Red Pill ou MGTOWs (Men Going Their Own Way) em uma tentativa de reafirmar a própria identidade masculina. Muitas vezes, a situação acaba saindo do controle, e a polarização entre homens e mulheres se intensifica. E assim, os homens tendem ao conservadorismo de direita, e as mulheres ao progressismo de esquerda.
Por consequência, junto com a crise da masculinidade, acentuou-se uma crise na busca de uma identidade, e principalmente de um referencial masculino. Se o primeiro referencial masculino que uma criança tem em sua vida é o seu pai, como lidar com inúmeros cenários em que o próprio homem abdica da sua função de liderança e cuidado e entrega essa responsabilidade às mulheres? Como formar homens líderes sendo que os próprios homens abdicaram e ainda, por vezes, abdicam da sua função de liderança ou agem de forma imatura diante dos problemas do mundo contemporâneo?
A crise da masculinidade deixou de ser algo isolado para um problema estrutural que já atravessa gerações. Seria cômodo falar que a saída para a crise da masculinidade será resolvida quando os próprios homens passarem a buscar o ideário masculino cavaleiro medieval ou que melhor atende aos propósitos bíblicos. Porém, a realidade é muito mais dura e complexa. O falar sobre masculinidade varia conforme tempo, espaço, condição financeira e cultura que o homem está inserido. Logo, acreditar em um remédio universal para uma crise não resolve os problemas. Pelo contrário, tende a criar novos problemas e ampliar os já existentes.
Por fim, é preciso que os próprios homens repensem o seu papel como liderança, assumam as suas responsabilidades de forma racional e busquem outros referenciais masculinos positivos em suas vidas. Ser homem está muito mais além do que sua natureza primitiva e o agir conforme o esperado pela sociedade. É se reconhecer como uma liderança capaz de cooperar e prover junto com os demais homens e mulheres, seja no trabalho, no estudo, na criação dos filhos e nas demais convivências do dia-a-dia.

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