
A possível imposição de tornozeleira eletrônica a Jair Bolsonaro virou manchete, e munição política. Para a esquerda, seria a justiça alcançando um “inimigo”. Para a direita, uma perseguição escancarada. Mas para além da disputa ideológica, o episódio levanta uma questão central: estamos diante de um sistema de justiça imparcial ou de um Estado que instrumentaliza a lei para fins políticos?
Para o liberalismo, a liberdade só pode florescer quando o poder estatal é limitado por instituições e regras claras. Como ensinou Montesquieu, “tudo estaria perdido se o mesmo homem, ou o mesmo corpo de poderosos, exercesse os três poderes: fazer as leis, executar as resoluções públicas e julgar os crimes”. Quando o Estado concentra poderes ou atua movido por paixões políticas, o risco à liberdade é real, mesmo que atinja alguém de quem você discorde.
O problema não está apenas na tornozeleira. Está no fato de que o mesmo aparato estatal que se apresenta como guardião da democracia tem ignorado delações premiadas, passou pano para escândalos antigos e calou seletivamente vozes incômodas. A justiça virou espetáculo, e o cidadão comum se torna refém de um sistema que escolhe a quem aplicar o rigor da lei – e quando.
Hayek alertou que “a maior ameaça à liberdade é o poder arbitrário”. A justiça, para ser legítima, deve ser cega aos nomes dos réus e aos seus posicionamentos políticos, não apenas seletiva . Não se trata de defender Bolsonaro. Trata-se de defender um princípio: ninguém deve ser punido fora dos limites da lei, nem poupado por conveniência política.
Se há crimes, que sejam apurados com provas, devido processo legal e isonomia. O que preocupa não é a tornozeleira em si, mas o fato de ela se tornar símbolo de um Estado que age seletivamente, com olhos bem abertos quando lhe convém, e bem fechados diante dos seus aliados.
John Locke, um dos pais do liberalismo, afirmava que “onde não há lei, não há liberdade”. Mas onde a lei é distorcida, manipulada ou aplicada de forma desigual, o efeito é o mesmo: a liberdade desaparece. Hoje, a vítima pode ser um político popular. Amanhã, pode ser qualquer cidadão que desagrade o poder.
O liberalismo não defende indivíduos. Defende regras. Se a liberdade vale só para os que pensam como você, ela não é liberdade, é privilégio disfarçado.
Se Bolsonaro errou, que responda. Mas que a lei se aplica de forma igual a todos. Do contrário, a tornozeleira em um ex-presidente será apenas a vitrine de um Estado que abandonou a justiça para brincar de vingança.

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