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Justiça Cósmica

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“Tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades.”

Impactante. Você já deve ter ouvido essa frase. Ela tem a intenção de justificar que as leis não devem servir a todos da mesma forma; elas devem contrabalançar desigualdades preexistentes. É uma tentativa humana de equilibrar as injustiças do Universo.

Mas, esse entendimento não seria exatamente o oposto daquilo que entendemos por leis? As leis não deveriam ser imparciais? Ou deveriam ser tão parciais que teríamos que personalizá-las para cada indivíduo do planeta? 

Qual é o significado da deusa Têmis, segurando uma balança, de olhos vendados? (Não à toa, atualmente, é possível encontrá-la sendo representada sem a venda, simbolizando a justiça social.)

Seria ignorância negar que cada indivíduo possui características únicas. Mesmo gêmeos idênticos não podem ser considerados pessoas iguais numa análise criteriosa. Portanto, onde traçar a linha divisória entre os desiguais mencionados na frase é algo totalmente subjetivo. É muita arrogância achar que qualquer ser humano é capaz de descobrir a “exata medida” que torna as pessoas desiguais. 

O economista Thomas Sowell abordou esse tema em sua obra “A Busca da Justiça Cósmica”. Esse termo resume bem o que os adeptos do pensamento criticado nesse texto afirmam fazer: uma análise tão minuciosa que sua aplicação correta exigiria uma onisciência divina. Na prática, claro, não é isso o que eles fazem ao defender que classe social, sexo e cor de pele, por exemplo,são categorias suficientes para considerar pessoas como diferentes.

Coletivistas em geral (de esquerda, mas não apenas) insistem em regras específicas para grupos específicos, cabendo a eles decidir quais serão essas regras e quais serão esses grupos. Um exemplo desse pensamento foi o caso¹ do vereador de Curitiba, Renato Freitas (PT), que invadiu uma igreja, junto a outros manifestantes, durante uma missa. Após perder seu mandato por quebra de decoro por essa atitude, o ministro do STF, Luís Roberto Barroso, anulou a decisão com a seguinte justificativa: “quebra de decoro parlamentar não pode ser invocada para fragilizar a representação política de pessoas negras”. O vereador, no caso, era negro, mas nada no Código de Ética e Decoro Parlamentar de Curitiba (e de nenhum outro município) menciona que as normas podem ser ignoradas a depender da cor de pele do parlamentar. Mas o ministro assim o fez, tratando o vereador de forma desigual, “na exata medida de sua desigualdade”. O que nos faz concluir que, para o ministro, a principal característica que torna Renato Freitas alguém único não é sua atitude ou história de vida, mas sim sua cor. 

Leis como a cota de gênero para partidos políticos são outro exemplo de como, arbitrariamente, seleciona-se uma característica em detrimento de todas as outras. Considera-se que o fato de um candidato ter nascido homem ou mulher é mais importante do que as demais qualidades que dependem de suas escolhas. É uma tentativa falha de enquadrar algo tão complexo como seres humanos na rasa divisão ultrapassada de opressor e oprimido. 

 Os coletivistas jamais chegarão às diferenças mais importantes entre os seres humanos porque, por definição, sua visão se restringe a grupos, e não a indivíduos.  

Como contraponto, Sowell menciona o exemplo de irmãos criados no mesmo ambiente, que frequentemente seguem caminhos completamente diferentes em suas vidas. O que exatamente os tornou desiguais? 

Se ser negro imputa ao indivíduo um obstáculo social tão evidente que justifica cotas em universidades, o que dizer de órfãos que perderam seus pais na infância? Existem cotas para pessoas com depressão severa ou vítimas de crimes graves? É possível medir quem merece mais ajuda estatal ou uma aplicação mais branda das leis? 

Qualquer tentativa de decidir quais diferenças são importantes para tornar humanos desiguais será arbitrária. E, nessa busca pela justiça cósmica, como Sowell afirma, na prática, acabamos trazendo injustiças reais para o resto da sociedade.

Em sua obra, o economista usa o exemplo de um homicida sendo julgado pelo assassinato de uma criança de 12 anos. Somente de uma perspectiva cósmica poderíamos pesar o quanto a suposta infância problemática do acusado teve influência no crime que cometeu. Mas é isso que os justiceiros sociais afirmam fazer. Agora, enquanto analisamos com benevolência se o assassino deve ou não responder por seus atos, a vítima, que nem havia nascido durante a infância do acusado, pagou por isso. E quanto às outras pessoas que tiveram infâncias difíceis e nunca cometeram um delito? Se a finalidade da punição é impedir o crime, mitigar a punição em busca da justiça cósmica significa reduzir as prisões e permitir que outros crimes ocorram à custa de inocentes.  

É por isso que a justiça liberal se preocupa com processos imparciais e não com resultados específicos. Friedrich Hayek, Nobel de Economia, em “O Caminho da Servidão”, argumenta que, para o Estado de Direito ser uma realidade, é mais relevante a existência de normas aplicadas sem exceções do que o seu conteúdo. Muitas vezes, o conteúdo da norma tem pouca importância, desde que ela seja universalmente aplicada, como um crime ser previsivelmente punido, independentemente de quem o cometa. 

Essa imparcialidade é justamente um dos fundamentos do ideal liberal.
Segundo um dos maiores estudiosos brasileiros e mundiais do liberalismo, José Guilherme Merquior: 

“Uma constituição, escrita ou não, consiste nas normas que regem o governo. É a mesma coisa que o governo da lei, que sustenta a exclusão tanto do exercício do poder arbitrário quanto do exercício arbitrário do poder legal.”

A justiça ou igualdade material, em oposição à justiça ou igualdade formal, envolve necessariamente discriminação entre indivíduos. Cabe a cada um de nós, com o auxílio da história, refletir se é prudente conceder a alguns indivíduos o poder estatal para discriminar pessoas. E também devemos decidir se é melhor buscar a justiça cósmica ou aquela humanamente possível.

Referências:

  • Sowell, T. (2022). A Busca da Justiça Cósmica. Editora LVM. 
  • Hayek, F. A. von. (2020). O Caminho da Servidão. Editora LVM.
  • Merquior, J. G. (2014). O Liberalismo Antigo e Moderno. Editora É Realizações
  • ¹https://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2022/09/23/barroso-restabelece-mandato-de-renato-freitas-e-anula-decisoes-do-tj-pr.ghtml
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Wagner Fioravante

Coordenador paulista, de 35 anos, que desde os 20 se declara liberal (quase libertário). Anticoletivista desde sempre. Formado em Publicidade e Propaganda pela Universidade Mackenzie, abandonou o curso de Psicologia pela metade na mesma instituição. Nos últimos anos, tem buscado se associar a grupos que compartilham os valores de liberdade, com o objetivo de contribuir com o que acredita, enquanto recupera o tempo de estudos perdido com a educação formal.

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