
O não indiciamento dos influenciadores digitais que promoveram casas de apostas ilegais no Brasil é mais do que um erro jurídico — é um sinal alarmante de que a cultura da irresponsabilidade ainda impera entre aqueles que mais lucram com a influência digital. Num ambiente liberal, a liberdade de expressão é um valor inegociável. Mas essa liberdade não se dissocia da responsabilidade individual.
Promover plataformas de apostas sem verificar sua legalidade ou transparência — muitas vezes para um público jovem e vulnerável — não é apenas uma falha ética: é um abuso de influência mercadológica. Influenciadores não operam em um espaço neutro. Ao contrário, exercem papel ativo na mediação entre o mercado e o consumidor, principalmente em setores como o de apostas, onde o risco de manipulação emocional é altíssimo. O que está em jogo não é a liberdade de anunciar, mas o uso dessa liberdade sem compromisso com as consequências.
Não se trata de defender censura prévia ou controle estatal sobre os conteúdos publicitários. Pelo contrário: trata-se de reconhecer que o mercado livre só funciona de forma legítima quando alicerçado na confiança, na transparência e na responsabilização. Influenciadores digitais não são apenas “entretenedores” casuais — são formadores de opinião com impacto econômico direto, especialmente em setores sensíveis. Quando esses agentes abusam de sua posição para promover serviços ilegais, devem ser responsabilizados — não por punições arbitrárias do Estado, mas pela reação natural de um mercado saudável: perda de patrocínios, da confiança do público e do espaço nas plataformas.
Sob uma perspectiva liberal, a regulação eficiente não é a que censura, mas a que estabelece responsabilidades claras, incentiva a autocomposição e valoriza a transparência. O influenciador, como qualquer outro agente econômico, deve responder civil e penalmente, nos termos do direito brasileiro, quando sua ação ou omissão causar dano à sociedade. O Código Penal, o Marco Civil da Internet e o Código de Defesa do Consumidor oferecem, se bem aplicados, instrumentos suficientes para isso. Se necessário, ajustes legislativos pontuais podem reforçar a clareza sobre deveres no ambiente digital, sem comprometer a liberdade.
A omissão sob o pretexto de “ausência de dolo” ou “falta de regulação” cria um perigoso precedente: o de que a ignorância seletiva ou a conveniência comercial são desculpas aceitáveis para práticas danosas. Mais irônico ainda é ver que parte desses mesmos influenciadores, quando o lucro não está em jogo, clama por “direitos digitais” e “ética na internet”. Liberdade exige coerência. E coerência exige responsabilidade.
Esse debate não é novo. John Stuart Mill já defendia que a liberdade individual só pode florescer quando acompanhada do senso de dever. No plano simbólico, o pensador Viktor Frankl propôs que se construísse, na Costa Oeste dos EUA, uma Estátua da Responsabilidade — como contraponto à Estátua da Liberdade, localizada na Costa Leste. A proposta, retomada por Jordan Peterson, reflete uma intuição profunda: não há liberdade sustentável sem responsabilidade equivalente. Na linguagem dos liberais, é o preço da autonomia.
O crescimento das apostas online é um fenômeno legítimo e global. O Brasil precisa tratá-lo com seriedade jurídica, e não com moralismo improvisado ou complacência covarde. O que se espera não é controle ideológico, mas aplicação objetiva da lei e maturidade institucional. Afinal, liberdade real só existe quando há também coragem para arcar com as consequências das escolhas feitas em um ambiente livre. A impunidade, mesmo quando travestida de “neutralidade digital”, é uma afronta à verdadeira cultura liberal de responsabilidade individual.

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