
O recente episódio envolvendo a deputada federal Erika Hilton, flagrada com uma bolsa de grife avaliada em mais de R$ 10 mil, provocou grande repercussão nas redes sociais. Mais do que um debate sobre moda ou ostentação, o caso escancarou uma tensão que há tempos acompanha parte da esquerda brasileira: o abismo entre o discurso anticapitalista e o comportamento material de seus representantes.
Erika Hilton, ao longo de sua trajetória política, não esconde sua simpatia por modelos econômicos alternativos ao capitalismo, como o socialismo e o coletivismo. Em falas públicas, entrevistas e manifestações nas redes sociais, ela frequentemente rejeita a lógica do lucro, denuncia o que chama de “estruturas opressoras do capital” e reivindica uma transformação radical nas bases econômicas da sociedade. Trata-se de um discurso ideológico bem delimitado, com referências claras à crítica marxista da propriedade privada, da acumulação de capital e do consumo como expressão de desigualdade.
A contradição surge, portanto, quando essa mesma parlamentar — que defende publicamente o rompimento com o sistema capitalista — ostenta um símbolo clássico do consumo de luxo. Marcas internacionais, itens exclusivos e bens de alto valor são, indiscutivelmente, produtos da livre iniciativa, da concorrência global, da diferenciação de mercado e, sobretudo, da liberdade individual de escolha. Ou seja: tudo aquilo que Erika afirma rejeitar.
Sob a ótica liberal, não há absolutamente nada de errado em comprar ou usar uma bolsa de R$ 10 mil. A liberdade de consumir, de adquirir, de preferir e de ostentar faz parte do conjunto de direitos individuais de qualquer cidadão em uma sociedade livre. O problema aqui não está na bolsa, mas na tentativa de usufruir seletivamente dos frutos do sistema que se critica de forma tão veemente. Erika Hilton não foi criticada por seu gosto pessoal ou por seu poder de compra — foi criticada por simbolizar, mais uma vez, a hipocrisia típica de uma esquerda que prega o fim do capital enquanto se apoia sobre ele para manter sua própria projeção política e social.
A incoerência não é apenas estética — é moral e ideológica. Ao negar, na teoria, os mecanismos que possibilitam a mobilidade social, a liberdade de mercado e o consumo diferenciado, a deputada fecha os olhos para o fato de que o capitalismo, com todas as suas imperfeições, é o único sistema que historicamente produziu riqueza em escala, promoveu inovação tecnológica e permitiu a ascensão de milhões de pessoas ao redor do mundo. Não é à toa que, mesmo nas economias mais socializantes, os símbolos de sucesso pessoal continuam sendo marcas produzidas por empreendedores, designers, engenheiros e comerciantes — e não por comitês populares ou estatais.
O progressismo identitário, do qual Erika é uma das representantes mais midiáticas, tenta frequentemente operar uma engenharia discursiva em que o consumo de luxo é visto como uma forma de reparação simbólica ou afirmação política de minorias. Mas esse raciocínio é frágil: ninguém precisa justificar seu consumo — e muito menos usá-lo como instrumento de luta de classes ou de combate ideológico. A verdade é mais simples: Erika, como qualquer outra pessoa, tem o direito de comprar o que quiser. Mas isso exige o reconhecimento explícito de que o sistema que permite tal liberdade é justamente aquele que ela afirma combater.
Um dos argumentos mais repetidos por defensores da esquerda diante dessas contradições é o de que “não há como não consumir dentro do capitalismo”, como se o sistema fosse uma prisão inevitável e, portanto, qualquer crítica pudesse ser feita mesmo usufruindo dos benefícios. Mas essa justificativa falha por um motivo central: consumir é uma escolha, e criticar o sistema enquanto se usufrui de seus luxos não é coerência crítica — é conveniência ideológica. Ninguém obriga um parlamentar a ostentar símbolos de status em um sistema que supostamente rejeita. O problema não está em consumir, mas em fazer disso um espetáculo contraditório enquanto se prega o exato oposto. A crítica válida exige consequência, e não indulgência seletiva.
O pensamento liberal defende o livre mercado, a autonomia do indivíduo e a responsabilidade pessoal. Isso inclui o direito de Erika usar a bolsa que quiser, sem censura ou patrulhamento moral. Sem excluir, porém, o direito dos cidadãos de questionarem políticos que, em nome da igualdade, pretendem cercear as liberdades alheias enquanto desfrutam dos privilégios do mercado.
Em resumo, a bolsa de Erika Hilton não é o problema. O problema é um discurso político que demoniza o capitalismo, mas depende dele para existir — financeiramente, simbolicamente e eleitoralmente. Uma democracia madura exige mais do que slogans: exige coerência, transparência e honestidade intelectual.

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