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Em defesa da liberdade de expressão

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Por Ornella Di Lorenzo Silva¹, Conselheira do Instituto Atlantos².

 

“Acuse-os do que você faz, chame-os do que você é.” Essa frase parece estar cada vez mais conectada com o debate sobre liberdade de expressão, censura, Big Techs e Estado. Em que pese existam controvérsias a respeito da origem dessa expressão, muitos atribuem sua autoria a Lênin.

Coincidentemente – ou não – a frase aplica-se perfeitamente aos movimentos sociais contemporâneos, principalmente quando o tema é cultura do cancelamento, a principal arma dos inimigos da liberdade de pensamento. Tais movimentos sociais, ainda que se autoproclamem progressistas e sobreviventes de uma ditadura que tolhia a liberdade de expressão, são os grandes promotores da censura moderna, calcada na destruição da imagem, carreira e vida social de qualquer pessoa que ouse discordar de sua cartilha.

A cultura do cancelamento, fomentada por esses movimentos, é senão o suprassumo da intolerância dos ditos tolerantes, que não economizam insultos aos indivíduos que, minimamente, discordam do seu pensamento e, assim, progressivamente, instigam a censura, seja ela prévia, como vimos por meio do cancelamento de palestras³, filmes⁴ e livros⁵, seja ela a posteriori, mediante os instrumentos modernos criados pela cultura do cancelamento. Ora, todo mundo sabe que ser cunhado de racista, homofóbico, transfóbico, gordofóbico e até mesmo genocida está longe de ser algo desejável por alguém que quer viver em harmonia com o restante da sociedade – então por que utilizar de forma tão leviana termos tão pesados para rotular opositores?

Simples, ensejar o medo de se pensar diferente, de se falar algo desconfortável e pôr o bode na sala.

Em um cenário como esse, onde todo tipo de posicionamento ou até mesmo omissão pode caracterizá-lo como o pior dos seres humanos, as pessoas calam-se antes mesmo de emitir qualquer opinião. Aqueles mais ousados, que rompem a espiral do silêncio, e tentam quebrar a hegemonia de pensamento da cartilha ideológica de esquerda são alvo de boicote das mais variadas formas. A preocupação que antes tínhamos com a censura advinda apenas do Estado agora se amplia.

Embora nossa Constituição garanta que todos são iguais perante a lei e que a manifestação de pensamento é livre⁶, parcela da sociedade considera-se superior aos ditames constitucionais, e busca calar, oprimir e humilhar seus adversários. Os autointitulados democráticos parecem ignorar que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição (…)”⁷, norma prevista justamente no texto que tanto ovacionam, a Constituição “cidadã” de 1988. Os censores coletivistas⁸ proliferam-se dia após dia e, paulatinamente, sua visão a respeito de liberdade de expressão ganha espaço, seja na mídia tradicional, seja nos meios de comunicação alternativos, que passam a acreditar que há pensamentos que são proibidos. Quando grandes veículos (jornais, televisão e redes sociais) decidem comprar a narrativa de que censurar é o único caminho para o bem comum, o ato seguinte é a política aderir aos clamores da massa.

Não à toa vivenciamos um agigantamento das arbitrariedades cometidas pelo Estado no que tange à liberdade de opinião, como é o caso do Projeto de Lei n. 2.630 de 2020, mais conhecido como o “PL das Fake News”.

O referido projeto, na prática, possibilita que “os provedores de redes sociais e de serviços de mensageria privada poderão criar instituição de autorregulação voltada à transparência e à responsabilidade no uso da internet (…)”⁹. Não caro leitor, você 9 não leu errado, a proposta legislativa busca permitir a criação de agências reguladoras no âmbito da internet.

Não é de se espantar que o dispositivo transcrito se encontra no Capítulo “DA AUTORREGULAÇÃO REGULADA”. Seria uma dupla vigilância pela Máquina Pública? Um conglomerado privado que faria a censura? Quantas instâncias de carimbadores malucos um cidadão terá de passar para publicar suas opiniões em um espaço que, até hoje, é livre e democrático?

Talvez o Ministério da Verdade, tão distante na distopia de Orwell (1984), esteja mais perto do que imaginamos.

Sem entrar na discussão a respeito dos incentivos e gastos públicos envolvidos para criação das supostas agências reguladoras, outro questionamento a se fazer é: quem estabelecerá o que pode ou não ser publicado? Quem fiscalizará o vigia? Se almejamos respeitar o princípio da igualdade formal, não podemos aplicar dois pesos e duas medidas para lidar com a liberdade de expressão.

Famosos e intelectuais marxistas exaltam ditadores, incitam à violência, defendem o ódio à burguesia e declaram apoio à regimes abertamente ditatoriais que executaram centenas de pessoas todos os meses, a exemplo do historiador Jones Manoel¹⁰ ¹ ¹, que prega a violência e o preconceito diuturnamente, e não é censurado. O mesmo tratamento não é dado aos indivíduos que se posicionam de forma similar, mas que estão do outro lado do espectro político.

A abordagem despendida à Sara Winter¹² ¹³ e Daniel Silveira¹⁴, casos emblemáticos e recentes de censura, corrobora a afirmação, vez que ao divulgarem pensamentos extremamente controversos e antidemocráticos, assim como os do historiador marxista, tiveram inúmeros posts excluídos e contas suspensas, seja pelas diretrizes das plataformas onde vinculavam, seja por meio de ordem judicial – quando não foram presos ou detidos.

O Estado, as Big techs e os grupos organizados mudam as regras de liberdade de expressão e discurso de ódio a cada segundo, favorecendo indivíduos e conteúdo de acordo com diretrizes amplamente questionáveis. Ocorre que esse tratamento além de ser despendido justamente para aqueles que discordam de determinada visão de mundo, não é claro, previsível e muito menos justo.

“(…) ao não apresentarem com transparência seus critérios sobre quais conteúdos consideram aceitáveis; ao não aplicarem as mesmas regras a todos os participantes, punindo ofensas iguais de maneiras diferentes; ao se organizarem para bloquear o surgimento de mídias alternativas; e ao aderirem ao “cancelamento” da forma mais agressiva possível, as Big Techs se sujeitam, sim, a uma crítica bastante justificada a respeito de sua atuação.  Sua responsabilidade é diretamente proporcional ao poder que acumulam na era da informação, e entre essas responsabilidades está a de defender e promover a liberdade de expressão, em vez de apossar-se dela como em uma distopia, calando ideias e pessoas de acordo com as próprias preferências.” ¹⁵ 

O trecho acima é válido tanto para empresas privadas, como para o próprio Estado. Defender a liberdade de expressão, pero no mucho, está cerceando o debate público. A evolução da sociedade, as grandes inovações tecnológicas e a prosperidade de toda e qualquer nação está intimamente ligada ao livre debate de ideias, ao confronto de pontos de vista opostos¹⁶. Como avançaremos em temas tão fundamentais para civilização moderna se o enfrentamento de opiniões está censurado?

Certamente a resposta à pergunta acima está longe de confiarmos o progresso nas mãos do Estado, especialmente quando se trata do governo brasileiro. Logo, se “o conhecimento está disperso na sociedade”¹⁷, a batalha de ideias mostra-se vital para expandirmos nossos horizontes. Não podemos esquecer que: “O homem que conhece apenas o seu lado da questão não sabe muita coisa. Suas razões podem ser boas, e é possível que ninguém seja capaz de refutá-las. Mas se for igualmente incapaz de refutar as razões do lado contrário, se não estiver em condições de saber o que são, não possui fundamentos para preferir uma opinião à outra.”¹⁸

Ademais, seguir o caminho de que é preciso estabelecer órgãos reguladores de responsabilidade na internet, ou qualquer outro mecanismo que vise checar as notícias veiculadas, é partir da premissa de que o cidadão precisa ser constantemente protegido, como se não fosse capaz de, por si próprio, buscar informações confiáveis. Sobre esse aspecto é preciso lembrar que cada usuário é responsável pelo conteúdo que consome e compartilha na internet. Cabe única e exclusivamente a ele certificar-se das fontes de determinado post, a fim de examinar sua veracidade.

“Somente o indivíduo é responsável por seu consumo de informações. Se uma determinada pessoa opta por acreditar em coisas erradas, ou se ela não quer checar a veracidade das coisas que lê e ouve, ela própria sofrerá as consequências. Isso se chama responsabilidade individual.”¹⁹ 

Acreditar que uma lei ou novas autarquias serão capazes de extinguir a reprodução de informações falsas em ambientes virtuais ou é ingenuidade ou é mau caratismo. Conteúdos duvidosos sempre existiram na história²⁰. Ao invés de focarmos nossos esforços na censura, deveríamos nos dedicar na formulação e propagação de informações robustas, éticas e seguras. Se ideias e somente ideias podem iluminar a escuridão²¹, deveríamos nos concentrar em difundir aquelas que acreditamos certas e não impedir as que discordamos.

É preciso questionar se é papel da Administração Pública e Big Techs editar o conteúdo que livremente circula na internet, não esquecendo que “a censura tem sempre como origem a presunção de superioridade intelectual ou moral e é historicamente demandada não por vilões, mas por pessoas que se consideram esclarecidas”²², justamente como observamos atualmente. A arrogância em ditar o que pode ou não ser referido, escrito e compartilhado no universo virtual, além de ser um comportamento extremamente totalitário, mata, lentamente, a liberdade de expressão.

“Se aplaudirmos quando censuram nossos inimigos, não teremos o direito de reclamar quando nos silenciarem”.²³

Referências:
¹ Advogada, formada pela FMP/RS, pós-graduada em Direito Empresarial pela FGV, presidente do Instituto Atlantos.
² O Instituto Atlantos é um think tank independente, sem fins lucrativos,
³ https://www.theguardian.com/education/2019/mar/20/cambridge-university-rescinds-jordan-peterson-invitation
https://sensoincomum.org/2020/10/28/youtube-censura-brasil-paralelo/
https://sensoincomum.org/2019/03/21/jordan-peterson-banido-nova-zelandia-islamofobia/
Art. 5o Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei; disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
Art. 220, caput, CF. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
Ler “A Opressão dos Movimentos Coletivistas” disponível em: https://atlantos.com.br/a-opressao-dos-movimentos-coletivistas/
Art. 30. Os provedores de redes sociais e de serviços de mensageria privada poderão criar instituição de autorregulação voltada à transparência e à responsabilidade no uso da internet, com as seguintes atribuições: (…) disponível em: https://www.camara.l10https://www.poder360.com.br/brasil/militante-comunista-prega-violencia-contra-patroes-eg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=node019of9xsem7b4p1kr
fvrj7dzwal28683212.node0?codteor=1909983&filename=PL+2630/2020
¹⁰ https://www.poder360.com.br/brasil/militante-comunista-prega-violencia-contra-patroes-stf-e-congre sso/
¹¹ https://www.gazetadopovo.com.br/ideias/influencer-stalinista-de-caetano-veloso-defende-morte-de-liberais-e-adversarios-politicos/
¹² https://revistaforum.com.br/politica/presa-sara-winter-tem-conta-do-twitter-suspensa-apos-anunciar-futuras-acoes-de-bolsonaro/
¹³ https://www.poder360.com.br/brasil/twitter-suspende-perfil-reserva-de-sara-winter-por-violacao-de-regras/
¹⁴ https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/moraes-determina-suspensao-das-contas-de-daniel-silveira-nas-redes-sociais/
¹⁵ Leia mais em: https://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/editoriais/twitter-facebook-donald-trump-liberdade-de-expressao/
¹⁶ “(…) o aprendizado ocorre se houver simultaneamente liberdade para expor soluções diferentes para os problemas e disposição a examinar criticamente essas soluções.” https://mises.org.br/article/3275/sou-a-favor-da-liberdade-de-opiniao-mas
¹⁷ Ler A Pretensão do Conhecimento de F. Hayek
¹⁸ John Stuart Mill em Sobre a Liberdade.
¹⁹ https://mises.org.br/article/3369/a-irrefreavel-ascensao-dos-intolerantes-e-licito-punir-alguem-pelo-crime-de-proferir-palavras
²⁰ https://mises.org.br/article/3369/a-irrefreavel-ascensao-dos-intolerantes-e-licito-punir-alguem-pelo-crime-de-proferir-palavras
²¹ Ler As Seis Lições de Ludwig Von Mises
²² John Stuart Mill em Sobre a Liberdade.
²³ https://revistaoeste.com/revista/edicao-45/a-censura-cidada-exercida-pelas-big-techs/
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Uma resposta para “Em defesa da liberdade de expressão”

  1. Maravilhoso esclarecimento sobre assunto tão delicado e atual em nossa sociedade !!!
    Parabéns

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