
A esquerda contemporânea gosta de se apresentar como guardiã da liberdade de expressão, defensora das vozes oprimidas e inimiga de toda forma de censura. No discurso, soa como um compromisso nobre com a democracia; na prática, porém, trata-se de uma promessa condicional: a liberdade só vale para quem concorda com a cartilha ideológica. Essa incoerência não é acidental, mas sim parte de uma tradição política que, ao longo da história, sempre instrumentalizou o conceito de liberdade para alcançar o poder — e o abandonou tão logo chegou lá.
Do ponto de vista teórico, o liberalismo clássico entende a liberdade de expressão como um direito negativo: o indivíduo deve estar livre de coerção, seja ela estatal ou social, para manifestar ideias, opiniões e crenças, independentemente de quão ofensivas ou impopulares elas sejam. John Stuart Mill, em On Liberty (1859), defendeu que até as ideias mais controversas devem ser ouvidas, pois o confronto livre entre opiniões é o único caminho para a verdade e o progresso moral. A esquerda, porém, reinterpretou esse princípio à sua maneira: o debate é válido apenas até que seu monopólio moral esteja consolidado; depois disso, a divergência passa a ser tratada como “discurso de ódio”, “desinformação” ou “ameaça à democracia”.
Na América Latina, essa hipocrisia se manifesta de forma ainda mais evidente. Líderes como Hugo Chávez, Nicolás Maduro, Evo Morales e Daniel Ortega ascenderam ao poder prometendo pluralidade e respeito às vozes populares. Uma vez consolidados, silenciaram a imprensa, criminalizaram opositores e transformaram a liberdade de expressão em privilégio partidário. O mesmo padrão se repete: primeiro, conquista-se a simpatia das massas com um discurso libertário; depois, redefine-se “liberdade” como o direito de apoiar o governo — e nada mais.
No Brasil, essa lógica já se insinua nas falas e ações de diversos setores da esquerda. Sob o pretexto de “combater fake news” ou “regular plataformas digitais”, busca-se criar instrumentos estatais de controle sobre o discurso. A justificativa é sempre nobre — proteger a democracia —, mas o resultado prático é um aparato que pode ser usado para sufocar qualquer opinião que ameace a hegemonia ideológica vigente. A história mostra que tais mecanismos nunca permanecem neutros: eles acabam nas mãos de quem detém o poder, e o poder, como advertiu Lord Acton, tende a corromper.
O liberalismo rejeita essa visão paternalista e seletiva da liberdade. Para pensadores como Friedrich Hayek e Ludwig von Mises, a liberdade não é uma concessão do Estado, mas um direito inalienável do indivíduo, que só pode florescer em um ambiente onde até as vozes mais incômodas possam ser ouvidas. Quando a esquerda defende a liberdade apenas para si mesma e para seus aliados, não está defendendo liberdade, mas sim privilégio ideológico — e privilégio é a antítese da igualdade que diz perseguir.
O argumento de que certas opiniões devem ser silenciadas para proteger a democracia é perigosamente autoritário. Democracia não é unanimidade, mas convivência entre divergências. Ao excluir adversários do debate público, a esquerda não apenas enfraquece a pluralidade de ideias, mas mina as próprias bases do sistema que diz defender. A consequência é previsível: um espaço público empobrecido, dominado por um pensamento único, onde o medo substitui o diálogo.
Na América Latina, essa trajetória tem um custo concreto. Países que abraçaram esse modelo de “liberdade seletiva” caminharam rapidamente para regimes autoritários, com economia estagnada, instituições frágeis e cidadãos intimidados. O caso venezuelano é o mais evidente: jornalistas presos, rádios e TVs fechadas, redes sociais monitoradas e qualquer voz dissonante tachada de traidora ou golpista. O discurso que começou prometendo voz a todos terminou calando a maioria.
Em última instância, a liberdade de expressão não pode ser um direito condicional. Se vale apenas para os que pensam igual, ela deixa de ser liberdade e se torna licença — e licenças são revogáveis pelo poder que as concede. O liberalismo insiste em um princípio que incomoda autoritários de todas as cores: ou a liberdade é para todos, ou não é liberdade.
A esquerda latino-americana, ao longo de décadas, tem mostrado que não confia no livre debate, porque sabe que suas ideias não sobrevivem ao escrutínio constante. Por isso, recorre ao controle narrativo, à censura disfarçada e ao silenciamento dos opositores. Cabe a quem valoriza a liberdade verdadeira — aquela que protege até o que nos desagrada — resistir a essa lógica. Pois, como ensinou Mill, “o preço de calar uma opinião é roubar a humanidade; tanto à posteridade quanto à geração presente”.
Enquanto a esquerda tratar a liberdade como um recurso ideológico e não como um direito universal, continuará a revelar sua contradição fundamental: pregar democracia com os lábios e autoritarismo com as mãos.

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