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A manipulação da história e a defesa seletiva da esquerda no conflito Israel–Hamas

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Nos últimos anos, e de forma ainda mais intensa após os ataques terroristas de 7 de outubro de 2023, tem-se observado um movimento preocupante em parte significativa da esquerda global e latino-americana: a tentativa de reescrever a história do povo judeu e reposicionar grupos terroristas como o Hamas como o “lado certo” do conflito no Oriente Médio. Essa narrativa seletiva e ideologicamente filtrada não apenas distorce fatos históricos, mas também normaliza a violência, desde que praticada pelo grupo político que se deseja legitimar. É um fenômeno que ameaça não só a integridade do debate público, mas também os fundamentos morais universais que sustentam uma sociedade civilizada.

A lógica é simples e perigosa: reduz-se um conflito complexo a uma narrativa de opressor e oprimido, escolhendo-se previamente quem ocupará cada papel. Israel, na visão desses setores, é automaticamente o opressor colonial, e o Hamas, apesar de seu histórico de terrorismo, autoritarismo e perseguição interna, é recastado como resistência legítima. Nesse enquadramento simplista, desaparecem da discussão elementos fundamentais: a história milenar do povo judeu na região, os acordos de paz assinados e violados, e o fato incontestável de que o Hamas é uma organização que não apenas se recusa a reconhecer Israel, mas também instrumentaliza sua própria população como escudo humano para fins militares.

Sob a perspectiva liberal clássica, como ensinou John Locke, a vida é um direito natural inviolável. Nenhuma causa — política, religiosa ou nacionalista — pode justificar a eliminação deliberada de inocentes. Quando parte da esquerda se cala ou relativiza massacres de civis, contanto que sejam perpetrados contra um inimigo ideológico, ela abandona qualquer compromisso com os princípios universais de direitos humanos e abraça um relativismo moral que, no fundo, legitima o assassinato. A mesma lógica que condena a morte de civis palestinos deveria, com igual intensidade, condenar a morte de civis israelenses. O contrário não é coerência política, é tribalismo moral.

O liberalismo, como defendido por Friedrich Hayek e Ludwig von Mises, repudia qualquer forma de coletivismo que negue a dignidade individual. Esse repúdio se aplica tanto à opressão estatal quanto à violência de grupos paramilitares ou terroristas. O que se vê hoje em certos discursos é a substituição de um autoritarismo pelo outro, desde que o novo opressor sirva a uma causa “justa” segundo critérios ideológicos arbitrários. Essa lógica é perigosa porque destrói a premissa básica de que todos os indivíduos, independentemente de nacionalidade, religião ou etnia, têm direito à vida e à liberdade.

A manipulação histórica é parte central dessa estratégia. Ao reescrever a narrativa do povo judeu como mera presença colonial, ignora-se não apenas a ancestralidade milenar de Israel na região, mas também o contexto moderno de sua fundação, incluindo a aceitação internacional expressa pela ONU em 1947. A recusa da esquerda radical em reconhecer esses fatos não é uma questão de interpretação histórica, mas de alinhamento ideológico: o objetivo é transformar Israel no vilão absoluto e, assim, justificar qualquer ato de violência contra ele, inclusive massacres de civis.

O Atlântico, entendido como a aliança moral e estratégica das democracias liberais ocidentais, não pode aceitar essa relativização da barbárie. O assassinato de civis  sejam eles judeus, palestinos, cristãos ou muçulmanos, é moralmente indefensável. A morte justificada em nome de Deus, da pátria ou de qualquer outra entidade coletiva é uma afronta direta à ética liberal e aos valores fundacionais do mundo livre. Ao legitimar a violência do Hamas sob a bandeira da “resistência”, setores da esquerda não apenas traem o princípio de liberdade de expressão, mas também se tornam cúmplices morais de crimes de guerra.

A defesa da paz exige clareza moral. É possível criticar políticas específicas do governo israelense sem, para isso, cair na armadilha de absolver ou enaltecer grupos cujo objetivo declarado é a destruição total de um povo. Da mesma forma, é possível defender os direitos dos palestinos sem compactuar com aqueles que os usam como massa de manobra, como faz o Hamas. Essa distinção é essencial para qualquer análise honesta do conflito.

O liberalismo nos lembra que a liberdade não é apenas a ausência de coerção, mas a presença de uma ordem moral baseada no respeito irrestrito à vida. Quando esse princípio é abandonado, a política se transforma em guerra de narrativas e a moralidade em ferramenta de manipulação. A esquerda que hoje se cala diante da morte de judeus em nome de uma “causa justa” amanhã não hesitará em justificar outros massacres, contanto que sirvam aos seus fins.

Em última instância, a posição coerente é clara: condenar a morte de qualquer inocente, rejeitar qualquer justificativa religiosa ou política para o assassinato, e reconhecer que a paz só será possível quando a verdade histórica não for refém da conveniência ideológica. O Atlântico moral — formado por todas as democracias liberais — não pode titubear: a barbárie não tem lado certo.

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Juliana Antonelli

É uma defensora da liberdade e acredita que este é o único caminho para a construção de uma sociedade verdadeiramente livre e próspera. Atualmente e formada em Direito. Nas horas vagas, adora debater política, conhecer novos lugares, livros e escrita.

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