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Elon Musk x Donald Trump: liberdade de expressão ou populismo digital?

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O confronto entre Elon Musk e Donald Trump ilustra um dilema contemporâneo no mundo liberal: como garantir a liberdade de expressão sem abrir espaço para a manipulação populista das plataformas digitais? Musk, ao adquirir o Twitter (atualmente X) e defender uma gestão mais transparente, se posiciona como defensor de um ecossistema digital menos sujeito à censura ideológica. Trump, por outro lado, representa uma força política que se vale dessa liberdade para propagar discursos muitas vezes polêmicos, divisivos e, em muitos casos, desinformativos.

O problema se intensifica quando se tenta estabelecer limites claros entre liberdade de expressão e discurso nocivo. Em um ambiente digital amplamente desregulado, o risco de que plataformas se tornem veículos para narrativas antidemocráticas, teorias conspiratórias e ataques coordenados é real. Mas a solução não pode ser a centralização do poder de moderação em mãos estatais ou corporativas  . O que implicaria numa espécie de censura moderna, em nome da proteção do usuário.

O liberalismo não se alinha com a censura estatal nem com o autoritarismo digital. Ele pressupõe a existência de regras claras, responsabilidade individual e concorrência entre plataformas. Musk acerta ao exigir transparência nos algoritmos e na moderação de conteúdo, pois isso empodera o usuário em vez de entregar ao Estado ou a corporações o monopólio da verdade. A abertura do código e a publicização das regras de moderação são passos importantes rumo a uma internet mais justa, onde as decisões sobre o que é aceitável ou não possam ser auditadas e questionadas.

Contudo, também é preciso reconhecer que a liberdade digital exige maturidade do usuário e educação midiática. Um ambiente de liberdade sem responsabilidade tende a se tornar um terreno fértil para o caos informacional. Nesse sentido, o papel do Estado deve ser subsidiário: promover a alfabetização digital, criar mecanismos de responsabilização para abusos concretos (como crimes de ódio, calúnia, ou incitação à violência), e garantir a pluralidade do ecossistema de plataformas.

Enquanto no Brasil esse debate assume contornos cada vez mais urgentes, vemos surgir propostas legislativas como o PL das Fake News e tentativas recorrentes de regulação das redes sociais. Sob o pretexto de proteger o usuário ou combater a desinformação, essas iniciativas frequentemente caminham no sentido de delegar ao Estado o papel de mediador da verdade — um papel que, na prática, é incompatível com os fundamentos de uma sociedade liberal.

O problema não está na intenção declarada de garantir um ambiente digital seguro, mas na metodologia e no agente a quem se confere esse poder. Quando filtros de conteúdo e critérios de “veracidade” passam a ser definidos por estruturas estatais, o risco de instrumentalização política da informação se torna inevitável. O Estado brasileiro, com histórico recente de tentativas de cerceamento da imprensa, perseguição a opositores e uso ideológico das instituições, não é um árbitro neutro. Concentrar nele o poder de decidir o que é verdade e o que deve ser suprimido abre caminho para abusos autoritários travestidos de proteção institucional.

Friedrich Hayek alertava que a expansão do poder estatal sob a justificativa de bem-estar coletivo invariavelmente leva à supressão das liberdades individuais. Segundo ele, quando o Estado assume a prerrogativa de “corrigir” os rumos da sociedade — inclusive no plano discursivo — cria-se uma lógica centralizadora que tende a se perpetuar e se ampliar, minando a autonomia do indivíduo e o pluralismo.

Norberto Bobbio, ainda que com viés mais institucionalista, também reconhecia que a democracia não se sustenta sem garantias formais que limitem o poder do Estado, sobretudo no campo da liberdade de expressão e do dissenso político. Para ele, a transparência e a multiplicidade de vozes são pilares indispensáveis à legitimidade democrática, mesmo quando envolvem conflitos, opiniões extremadas ou incômodas.

No contexto brasileiro, essas advertências teóricas não são abstrações: são alertas concretos. Permitir que o governo regule o discurso, determine o que pode ser dito e puna seletivamente quem diverge é incompatível com qualquer noção coerente de liberdade. A fiscalização do discurso público deve partir da sociedade civil, da imprensa livre, do contraditório e dos mecanismos judiciais independentes — jamais de um núcleo centralizado de “verdade oficial”.

Em síntese, a defesa da liberdade exige vigilância constante. E o maior perigo não está na multiplicidade de vozes, mas na tentação de silenciá-las sob a promessa de ordem. Como nos ensinou a experiência histórica — e como alertam os teóricos da liberdade —, o preço do controle total é, quase sempre, a erosão silenciosa da própria democracia.

Contudo, o caminho liberal é outro: garantir concorrência, reforçar a responsabilidade individual e impedir que qualquer grupo, seja estatal ou empresarial, tenha o controle absoluto do fluxo informacional. A descentralização das redes sociais, o incentivo ao surgimento de novas plataformas e o empoderamento do usuário como agente crítico e informado são estratégias mais sustentáveis para uma democracia digital saudável.

A liberdade de expressão não pode ser um privilégio de líderes populistas, tampouco uma concessão controlada por elites corporativas ou burocracias estatais. Deve ser um direito amplo, amparado por transparência, responsabilidade e pluralidade. O desafio da contemporaneidade é preservar esse direito sem permitir que ele seja instrumentalizado para destruir a própria   democracia.

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