Primeiramente deve-se pontuar a premissa geral da ideologia liberal que será comparada: O liberalismo, enquanto doutrina política e social, centra-se na defesa da liberdade individual, da autonomia moral e da responsabilidade pessoal, tendo como fundamentos o livre-escolha, a igualdade perante a lei e a limitação do poder estatal ou coercitivo sobre o indivíduo. Embora tenha sido formalizado no período iluminista, é possível identificar no Antigo Testamento vestígios de valores e princípios compatíveis com o pensamento liberal. Tendo em vista que o Antigo Testamento expõe, em diversas passagens, uma ênfase na liberdade de escolha, na dignidade humana e na responsabilidade ética – todos elementos essenciais da filosofia liberal.
Um princípio essencial do liberalismo é a liberdade de escolha, que no Antigo Testamento, pode-se verificar como livre-arbítrio. Nestas passagens inicial, denota-se a exaltação dessa liberdade desde o ato da criação, onde Deus outorga ao homem a liberdade para obedecer ou desobedecer à ordem divina – exemplificada na árvore do conhecimento do bem e do mal (Gênesis 2:16-17). Ao permitir que o homem escolha e ao imputar-lhe as consequências de sua decisão, o texto bíblico atribui ao ser humano uma dignidade e autonomia moral que fundamentam a responsabilidade ética.
Essa autonomia e responsabilidade se expandem através da narrativa da expulsão do Éden, onde Adão e Eva, ao desobedecerem, são confrontados com as repercussões de sua escolha. Isso porque, essa conexão entre liberdade e responsabilidade reflete uma visão na qual o indivíduo é livre, mas responde por suas decisões, conceito central do liberalismo. No pensamento liberal, o indivíduo deve ser responsável pelas próprias escolhas, devendo arcar com as consequências éticas e sociais que elas acarretam. Dessa forma, o Antigo Testamento sugere que a liberdade, ainda que garantida, deve ser administrada com discernimento e prudência.
Outro ponto de convergência com o liberalismo é o valor intrínseco atribuído ao ser humano no Antigo Testamento. Em Gênesis 1:27, o ser humano é criado “à imagem e semelhança de Deus”, conferindo-lhe uma dignidade e um valor essencial que independem de sua posição ou status social. Em virtude dessa concepção de dignidade, que transcende as condições externas, se aproxima do pensamento liberal, que defende a igualdade fundamental entre os indivíduos, reconhecendo que cada pessoa tem direitos que devem ser protegidos e respeitados.
Porquanto, a manifestação desse valor intrínseco se reflete também nos Dez Mandamentos, que constituem um conjunto de normas fundamentais no Antigo Testamento (Êxodo 20). Por seguinte, os mandamentos, embora divinamente estabelecidos, endereçam-se diretamente ao indivíduo, conferindo-lhe a responsabilidade moral de observar leis essenciais para a convivência coletiva. Os Dez Mandamentos cobrem princípios éticos que respeitam a vida, a dignidade e a propriedade alheias, elementos básicos para qualquer sociedade que valorize a liberdade e a dignidade do indivíduo. Neste contexto liberal, onde a lei deve proteger direitos fundamentais sem comprometer a liberdade pessoal, os Dez Mandamentos exemplificam um sistema em que normas centrais visam ao respeito mútuo e à coexistência pacífica, sem eliminar a autonomia moral.
Outrossim, no Antigo Testamento, há também uma conexão entre a liberdade individual e a necessidade de seguir um código moral, refletindo a tensão entre autonomia e responsabilidade social presente no liberalismo. Embora a legislação mosaica ofereça um arcabouço de leis que, apesar de divinamente inspiradas, requerem aceitação voluntária por parte de cada membro da comunidade. Em Deuteronômio 30:19, por exemplo, Deus coloca diante do povo a escolha entre a “vida e a morte”, demonstrando que o cumprimento da lei não é imposto, mas depende da decisão de cada indivíduo. Em razão, dessa escolha enfatizo a responsabilidade pessoal, mostrando que a adesão ao código moral é um ato de autonomia e autodeterminação.
Esse conceito de uma obediência voluntária antecipa o pensamento liberal sobre a importância de um código ético, respeitado de forma consciente, e não imposto coercitivamente. No liberalismo, o ideal de liberdade deve coexistir com a observância de normas justas e necessárias para o bem-estar social, normas essas que cada indivíduo deve escolher seguir com base em seu próprio discernimento moral. Por sua vez, a responsabilidade moral por escolher o bem pertence ao indivíduo, e sua decisão reflete tanto sua liberdade quanto seu comprometimento com a comunidade.
Conclui-se que a análise do Antigo Testamento, sob a ótica dos valores liberais, revela uma apreciação significativa pela liberdade individual, pela responsabilidade pessoal e pelo valor intrínseco do ser humano. Desde o relato de Gênesis, onde o homem é livre para escolher e arcar com as consequências de suas decisões, até os Dez Mandamentos, que estabelecem uma ética de respeito à vida e aos direitos alheios; o Antigo Testamento enfatiza uma autonomia moral que antecipa elementos centrais do liberalismo. Essa liberdade, porém, é associada à responsabilidade, indicando que o uso ético da liberdade é essencial para a harmonia social. Assim, o Antigo Testamento se mostra um texto que, em diversas passagens, apresenta uma visão elevada do ser humano, dotado de autonomia e dignidade, e convergente com a filosofia liberal, promovendo um ethos de liberdade e responsabilidade que enriquece a reflexão sobre o valor da liberdade.
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