Um dos insights mais mal interpretados na economia certamente é a famosa ideia da mão invisível. Diferentemente do que muitos acreditam, “a mão invisível” não diz que o mercado se autorregula, ou que indivíduos buscando seu auto-interesse necessariamente vão levar a sociedade a um resultado positivo.
O que Smith argumenta é, que dado alguns aspectos institucionais, as pessoas “são levadas por uma mão invisível a promover um fim que não era de maneira alguma de sua intenção”.
Na verdade, Adam Smith não falou d’A Mão Invisível – universal e sempre existente –, mas de uma mão invisível, desenvolvendo a ideia de que ela ocorre em alguns casos. A Riqueza das Nações, inclusive, traz diversos exemplos onde a mão invisível não geraria um resultado positivo.
Mas qual a diferença? Uma outra passagem do próprio livro pode nos ajudar a entender. Smith traz os exemplos de duas universidades da época: Glasgow e Oxford. Em ambas as universidades os professores eram pagos, e claramente estavam buscando seu auto-interesse. No entanto, em Oxford, os professores eram pagos por um fundo de doações; em Glasgow, os professores eram pagos pelas mensalidade pagas pelos seus alunos.
Como era de se esperar, em Glasgow os professores, buscando seu auto-interesse e querendo maximizar o seus salários, precisavam preparar aulas cativantes, para que seus alunos continuassem pagando as mensalidades. Em Oxford, os professores eram conhecidamente desleixados, porque não dependiam da “aprovação” dos alunos. Ou seja, Smith não se referia à questão comportamental do auto-interesse, mas a quais arranjos institucionais fariam com que a busca pelo auto-interesse gerasse um bem comum.
E quais seriam as instituições necessárias para que a mão invisível funcione? Segundo o economista Peter Boettke[1], seriam três: propriedade, contrato e consentimento. A propriedade garante que o indivíduo tem o direito legítimo (ou universalmente aceito) sobre um bem ou serviço. Consequentemente, ninguém poderia, para aprouver seu auto-interesse, tomar os bens de outrem. O contrato garante que uma transação será feita de acordo com certas regras estabelecidas pelas partes. Se eu fui ao açougue e encomendei 10kg de carne, o contrato garante que, quando pronta, pagarei pela encomenda o valor de 10 moedas por quilo, digamos. Por fim, o consentimento é parte essencial pois garante que estou comprando a carne, por exemplo, porque preciso dela, e que o vendedor está vendendo ela pois terá um benefício com isso.
A soma dessas interações, garantidas essas premissas institucionais, gera uma situação de cooperação social que Friedrich Hayek posteriormente chamou de ordem espontânea. Uma situação onde a ordem é “o resultado da ação humana, mas não do planejamento humano” como Adam Ferguson perfeitamente resumiu. Quando compramos um pão, não há a intenção de coordenar o mercado, ou menos ainda todo o processo é comandado por alguém planejador. Ao contrário, quando compramos pão estamos buscando apenas nosso auto-interesse (de alimentação), enquanto o padeiro, da mesma forma, não produz o pão para ajudar os outros, mas pelo dinheiro que ganhará com sua venda – promovendo seu auto-interesse. Ainda assim, se garantidas as instituições de propriedade, contrato e consentimento, o resultado é socialmente benéfico: pessoas podem se alimentar, padeiros podem ganhar seu dinheiro e, como consequência, os bens e serviços – guiados pelos preços – são alocados onde eles são mais necessitados.
[1] BOETTKE, Peter. Living Economics: Yesterday, Today and Tomorrow. Oakland: Independent Institute, 2012 – pp. 7-8
Sou a Rafaela Barbosa, achei seu artigo excelente! Ele
contém um conteúdo extremamente valioso. Parabéns
pelo trabalho incrível! Nota 10.